Por que faz tanto frio nos EUA? A culpa é do vórtex polar

São temperaturas que "causam a morte em poucos minutos", alertam as autoridades. Disrupção do mecanismo atmosférico que garante invernos amenos explica a situação. O problema é que está a tornar-se mais frequente
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São temperaturas à Day After Tomorrow - a visão de Hollywood sobre as alterações climáticas, de 2004, lembra-se? E o cenário é praticamente o mesmo: os Estados Unidos. Neste caso, agora, está abrangida toda a região Norte, o Midwest (o centro do país) e até alguns estados um pouco mais a sul, como o Alabama e a Georgia.

Uma vaga de frio polar está a assolar grande parte dos Estados Unidos, num vasto território que concentra 75% da sua população. A causa? O vórtex polar - a corrente de ventos em altitude, que durante o inverno mantém o ar frio extremo confinado ao polo norte - quebrou e ficou enfraquecido. E sim, as alterações climáticas já andam, provavelmente, por aqui. É para aí que apontam os estudos.

Depois de uma quarta-feira em que os termómetros já desceram muito abaixo da média para a época em sítios como Mineápolis (- 24 graus Celsius), Chicago (- 27), ou o Dakota do Norte (- 37) com uma sensação térmica próxima dos 50 negativos por causa do vento gelado, a previsão das temperaturas para esta quinta-feira continuam a ser de arrepiar. As mínimas podem chegar a valores ainda mais baixos, batendo recordes de pelo menos três décadas.

Os avisos das autoridades têm enfatizado que estas temperaturas podem matar em poucos minutos, recomendando por isso prudência e medidas de segurança reforçadas.

O que está na origem deste frio extremo e repentino - em menos de 24 horas as temperaturas chegaram a cair quase 20 graus nas zonas mais afetadas - é o (mau) comportamento do vórtex polar, que se quebrou e ficou enfraquecido, permitindo que o frio polar viesse por aí abaixo, até latitudes por onde geralmente não anda - e aqui terminam as semelhanças com o Day After Tomorrow. No filme, o que causava o frio extremo era uma disrupção, em consequência do aquecimento global, da corrente oceânica que garante as temperaturas relativamente amenas de inverno na Europa e na América do Norte.

Uma corrente de ventos em altitude

O vórtex polar é uma corrente de ventos que circula de oeste para leste (no sentido contrário aos ponteiros do relógio) na estratosfera, entre os 15 e os 20 quilómetros de altitude, durante o inverno, e que assim mantém o frio polar invernal confinado ao polo. Às vezes, porém, o vórtex quebra-se e enfraquece, o que permite que o ar frio polar desça a latitudes incomuns, enquanto o ar quente sobre até às regiões polares.

O fenómeno não é novo, já aconteceu antes. Em 2014, por exemplo, os Estados Unidos viveram uma situação similar esta, com uma vaga de frio polar que pôs Nova Iorque e uma grande parte dos Estados Unidos debaixo de um manto de neve, a tiritar. Mas os estudos apontam para que este tipo de episódios - e de outros, como a onda de calor generalizada do último verão, na Europa, no último verão, ou os episódios de chuva intensa e os tornados - estão a tornar-se mais frequentes, em consonância com o que os modelos das alterações climáticas já previam há mais de uma década.

Num comentário nada surpreendente, o presidente dos Estados Unidos aproveitou esta ocasião para desacreditar, uma vez mais, as alterações climáticas. "O que se passa com o aquecimento global? Por favor volta depressa, precisamos de ti", escreveu no Twitter.

No que está a ser encarado como uma resposta direta a Donald Trump, como refere a BBC News, a NOAA, a agência federal para a meteorologia e os oceanos, publicou pouco depois, também no Twitter, uma frase sucinta e direta. Assim: "As tempestades de inverno não provam que o aquecimento global não está a acontecer".

Na verdade, os cientistas já não têm dúvidas de que os fenómenos meteorológicos extremos se tornaram mais frequentes, sobretudo na última década e meia. Estudos do Instituto de Investigação de Potsdam sobre os Impactos das Alterações Climáticas, um dos centros de referência mundiais nesta área, apontam para isso mesmo, e inscrevem, justamente, essa tendência, no contexto das alterações climáticas.

E nos Estados Unidos, apesar da tese de Donald Trump, a ciência continua a ser ciência "Este tipo de disrupções do vórtex polar estão a tornar-se mais frequentes do que eram", diz, citado pela Wired, Judah Cohen, climatólogo no centro de investigação Atmospheric and Environmental Research.

Um dos motivos para que isso aconteça, garante o cientista americano, é o aumento da temperatura e degelo que estão a ocorrer no círculo polar Ártico. "Sem esse gelo [oceânico] o calor das águas passa para atmosfera", e acaba por interferir com os ventos do vórtex, quebrando-o. Com as temperaturas a subirem no Ártico, a probabilidade destas disrupções ocorrerem também aumenta. No presente, e no futuro.

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