Obstetrícia de Santa Maria com número de médicos abaixo dos mínimos em agosto
O número mínimo de médicos na urgência de obstetrícia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, não será assegurado no mês de agosto, segundo avançou esta quarta-feira o Sindicato Independente dos Médicos (SIM), em comunicado. Apesar de as diretivas da Ordem dos Médicos estabelecerem um mínimo de cinco especialistas por urgência para este hospital, há cinco dias do mês em que haverá apenas dois especialistas (em três médicos) e outros 14 dias em que estarão escalados quatro médicos, entre os quais também apenas dois especialistas. O secretário-geral do SIM exige que sejam encerradas as urgências externas.
"Numa reunião de há três dias, o diretor clínico garantiu que iriam estar cinco especialistas ao serviço e que quando isso não acontecesse seria desencadeado um processo de contingência, não podendo atender ao transporte de mais grávidas ou mesmo fechando a urgência", afirma Jorge Roque da Cunha. O representante sindical diz que "o conselho de administração está a pressionar para abrir (a urgência) a qualquer preço, pondo em causa a segurança dos pacientes".
Apesar de o assunto não ser novo, "é a primeira vez que tal acontece com esta dimensão", acrescenta o presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos. Alexandre Valentim Lourenço, também médico obstetra no Hospital de Santa Maria, explica que a falta de médicos faz com que, desta vez, não seja possível colmatar o problema. A situação já era prevista "há um mês e meio", quando foram feitas "reuniões para arranjar soluções" antes de agosto começar. "Mas estamos a um dia e ainda não temos solução. Nem sabemos como é que a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo vai comunicar ao utentes que, em caso menos urgente, devem ir primeiro ao médico de família. Porque agosto começa amanhã e isso já deveria ter sido feito."
Todos os dias, garante, há reuniões "para ver se mais médicos se voluntariam para a escala". "Porque estes que já estão escalados já estão a fazer sacrifícios, a cobrir bancos extras, para tentar garantir que todos os dias ficam mais ou menos preenchidos, embora o mínimo seja cinco especialistas", adianta. Só este ano, "já saíram três profissionais e ainda hoje (quarta-feira) reformou-se um chefe de equipa, com 59 anos, uma aposentação com grande penalização financeira, porque já não aguentava trabalhar mais nestas condições".
Por isso mesmo, é provável que a situação se mantenha até depois de agosto. "Como as pessoas já estão para lá do limite, se cumprirem a lei e não fizerem mais horas extraordinárias do que aquelas que a lei estipula, não haverá hipótese de responder durante o ano todo", acrescenta Alexandre Valentim Lourenço.
Ainda segundo o dirigente do Conselho Regional do Sul, grande parte dos médicos que garante as urgências estão a entregar um documento de desresponsabilização por ausência de condições. No mesmo, cada profissional determina que qualquer problema que exista por a equipa estar reduzida não é responsabilidade sua. Até porque uma das maiores repercussões da concentração de médicos nas urgências é a falha nos restantes serviços. "Por estarmos a garantir as urgências, não estamos a garantir as nossas operações de rotina. Não estamos a fazer as consultas de gravidez de alto risco nem as ecografias", conta.
Contactado pelo DN, o Hospital de Santa Maria diz apenas que estão a ser procuradas "medidas que permitam minimizar as dificuldades sentidas". Sublinham a existência da "articulação entre as Unidades Hospitalares da região de Lisboa", para uma "abordagem integrada de situações contingenciais".
No comunicado enviado esta quarta-feira às redações, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) exige à administração do Hospital de Santa Maria e ao Ministério da Saúde que se proceda à "contratação imediata de médicos especialistas", bem como ao "planeamento adequado das necessidades de recursos humanos por parte do Governo numa perspetiva de médio prazo". Caso os serviços mínimos não estejam assegurados, deve proceder-se ao "encerramento da urgência", lê-se.
O sindicato alerta para "a carência extrema de médicos obstetras na região de Lisboa", o que "leva a que se ultrapassem os limites mínimos de segurança aceitáveis para o tratamento das grávidas e doentes críticos que diariamente a eles recorrem". Segundo o SIM, as administrações seguem uma lógica de hostilização dos médicos, forçando "a trabalhar em condições indignas e sem segurança". "Maximiza-se assim a possibilidade de erro médico com prejuízo para a saúde dos doentes e para vida profissional dos médicos que se veem envolvidos por circunstâncias que não dependem dos mesmos", diz o mesmo comunicado.
A contratação de mais médicos seria uma opção, mas ainda que esteja na génese do problema, o obstetra Alexandre Valentim Lourenço não considera que a solução passe apenas por aqui. Porque enquanto não garantirem "condições de trabalho, abrem concursos e ninguém quer vir". Garante que a realidade é transversal a outras maternidades.
No início deste mês, o Governo suspendeu o sistema de rotatividade de quatro urgências de obstetrícia em Lisboa, durante o verão, devido à falta de especialistas e garantiu que haverá um reforço de pessoal. A proposta que esteve em cima da mesa, que ainda não era definitiva, visava minorar os efeitos da falta de obstetras e anestesistas, comum a quatro hospitais - Maternidade Alfredo da Costa, Hospital de Santa Maria, Hospital de São Francisco Xavier e Hospital Amadora-Sintra -, e que tende a agravar-se com as férias de verão. O objetivo era que as urgências de obstetrícia fechassem à vez, reencaminhando as utentes para os outros três hospitais.
Ainda em junho deste ano, o bastonário da Ordem dos Médicos alertava que a situação nas urgências externas das maternidades, decorrente da falta de especialistas em Ginecologia e Obstetrícia, "ultrapassa os limites do aceitável". Miguel Guimarães dizia ainda ser "necessário existir um planeamento adequado das necessidades dos serviços, ter uma organização modelar e encontrar verdadeiras soluções para os problemas e não apenas insistir na improvisação em cima do joelho".