Médico suspenso: "Falam mal de mim por trás, ficam na posição perfeita"

António Peças, cirurgião no hospital de Évora, não acompanhou doentes quando lhe pediram. O INEM afastou-o. A Ordem dos Médicos meteu-lhe um processo disciplinar e o DIAP investiga. A unidade onde trabalha diz que deve ser a inspeção da saúde a a tomar medidas. O médico ofende quem o critica.
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Foram várias as denúncias anónimas a pôr em causa a atuação do médico António Peças, algumas referindo situações em que alegadamente estaria em mais de um local ao mesmo tempo. O cirurgião tem um contrato de trabalho de 40 horas semanais, dividido por três dias, com o Hospital do Espírito Santo, em Évora, que ainda não se tinha manifestado sobre o caso.

Na noite desta quinta-feira respondeu ao DN que "abriu um inquérito interno sobre todas as questões apontadas na referida denúncia". O inquérito está concluído e foi solicitado à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) "que avocasse o processo, tendo em conta que a denúncia abrangia duas instituições" e não apenas a unidade hospitalar.

Acrescenta que o cirurgião tem um contrato individual de trabalho de "40 horas semanais que incluem 24 horas de serviço de urgência, sendo as restantes 16 distribuídas por dois dias, em função do interesse do hospital, com a concordância do médico".

A segunda instituição a quem António Peças estava ligado é o Instituto Nacional Emergência Médica (INEM), uma prestação de serviços que dispensou, com data a partir de 1 de fevereiro.

Conhecem-se três situações de 2017 em que o Centro de Orientação Doentes Urgentes (CODU) lhe ligou para acompanhar doentes graves que deveriam ser transportados de helicóptero do INEM para Lisboa e que não o fez.

Em dois casos contestou a necessidade dos doentes serem transferidos por via área, numa conferência telefónica prolongada com António Peças e que incluiu os médicos do CODU e das unidades hospitalares envolvidas.

No primeiro serviço, a 13 de abril, tratava-se de um homem de 82 anos com um AVC que se encontrava no hospital de Évora e que o CODU pediu o acompanhamento do médico às 02:13 para que este fosse transferido para o Hospital de S. José, em Lisboa, conforme se pode constatar no vídeo do jornal Observador. O doente acabaria por chegar às 05:15 e tratava-se de fazer um tratamento para prevenir as sequelas do AVC.

O segundo caso era o de uma mulher, de 37 anos, em Faro, com aneurisma, em situação muito grave e que viria a falecer,

O primeiro telefonema para António Peças a acompanhar foi às 23:35, pedindo explicações sobre os procedimentos médicos a que seria sujeita no Hospital de Santa Cruz, em Carnaxide, que aceitou recebê-la. Questionou a urgência do transporte e a razão por que não ia de ambulância para Lisboa e, depois de discussão, aceitou fazer o serviço, eram 00:15.

Às 02:27, já em Faro, o médico referiu que o estado de saúde da mulher se agravara. Os médicos de Santa Cruz concordaram que dificilmente a doente sobreviveria, acabando por não se fazer o transporte.

No terceiro, a 29 de outubro, disse que estava indisposto quando lhe pediram para transportar um doente de Évora para o Hospital de S. José, em Lisboa; o paciente acabaria por viajar de ambulância. Mas há fotos do médico numa tourada, ocorrida nesse dia em Évora, publicadas em toureio.pt.

Em entrevista à SIC, o médico disse que esteve na Praça de Toiros de Évora uma hora antes do inicio da corrida para assinar o documento em como estavam reunidas as condições para se realizar a tourada. E admitiu que assinou o texto final e também a indicação de que tinha assistido quatro pessoas, uma das quais o diretor da corrida, Marco Gomes

As situações foram denunciadas ao INEM, que abriu um processo judicial e decidiu: "De acordo com as recomendações do Instrutor, remetido às seguintes entidades: IGAS, Ordem dos Médicos e Hospital de Évora, cessou "a prestação de serviços do Médico António Peças no INEM a partir do dia 1 de fevereiro de 2019".

Várias queixas e processos

Chegaram na mesma altura ao Hospital Espírito Santo e à Ordem dos Médicos. O órgão profissional abriu um processo disciplinar e já fez toda a instrução, explicou Alexandre Valentim Loureiro, presidente do Conselho Regional do Sul. "Está na fase de instrução, há dados que estão a surgir e há inquéritos das entidades envolvidas que são remetidos à Ordem. Temos de avaliar todas estas informações para decidir."

Entretanto, o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora abriu um inquérito, que está numa fase inicial e sem que estejam constituídos arguidos, informou ao DN a Procuradoria-Geral da República.

António Peças tem referido que está a ser vítima de perseguição e, na sua página do Facebook, escreveu esta segunda-feira um post dedicado "aos falsos que falam mal" dele. "Falam mal de mim por trás, ficam na posição perfeita para me beijar o cu".

O caso suscitou ainda uma posição do PAN que questionou o Governo, em particular o Ministério da Cultura, sobre se a lei está a ser cumprida. Pretendem que a Inspeção Geral das Atividades Culturais esclareça se o cirurgião esteve na praça de touros de Évora a 28 de outubro e, se não esteve, quem o substituiu. O PAN quer ainda saber "se forem detetadas irregularidades, quais foram as as consequências para o promotor e para o médico em causa".

Fonte do Ministério da Cultura disse que as perguntas ainda não chegaram ao ministério.

António Peças foi forcado no Aposento da Moita e começou por estudar Engenharia Zootécnica antes de formar em medicina e se especializar em cirurgia.

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