Há 27 anos a jovem Severn Cullis-Suzuki silenciou o mundo. Agora é a vez de Greta Thunberg
"Vocês, adultos, têm de mudar o vosso modo de agir. (...) Estou a lutar pelo meu futuro". As palavras até podiam ser de Greta Thunberg, a ativista sueca, de 16 anos, que tem sido o rosto pela defesa do planeta. Mas, não. Estas são as primeiras palavras marcam o início do discurso sobre o ambiente que há 27 anos calou líderes mundiais numa cimeira da ONU, que decorreu no Brasil. Quem as proferiu foi a canadiana Severn Cullis-Suzuki. Tinha apenas 12 anos.
Agora é a vez da ativista sueca entrar em ação e, mais uma vez, alertar para a necessidade urgente de mudar as políticas ambientais. Ela é uma das convidadas para a Cimeira da Ação Climática, convocada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres. O evento começa na segunda-feira, mas é antecedido por uma série de iniciativas que decorrem durante o fim de semana como a Cimeira da Juventude para o Clima, que acontece este sábado.
Mas antes de Greta Thunberg, há quase três décadas, já Severn Cullis-Suzuki alertava os líderes mundiais para o facto de estarem a negligenciar o planeta. Hoje, o alerta mantém-se. Ficou conhecida como a jovem que durante cinco minutos silenciou o mundo em 1992 durante a cimeira Rio-92, a conferência da ONU sobre o desenvolvimento sustentável, que decorreu no Rio de Janeiro.
Um discurso que ficou para a história. Aconteceu 11 anos antes de nascer a ativista sueca, que, em 2018, também centrou as atenções dos líderes mundiais.
Depois de ter ficado conhecida por fazer greve à escola para lutar contra as alterações climáticas, Greta Thunberg subiu ao palco da Cimeira do Clima das Nações Unidas, na Polónia. "Eu preocupo-me com a justiça climática e com o planeta onde vivo. A nossa civilização está a ser sacrificada para que um número muito pequeno de pessoas continue a lucrar enormes quantias de dinheiro", atirou a sueca, sem papas na língua. "Estamos a ficar sem desculpas e sem tempo. Viemos aqui para que vocês saibam que a mudança está a chegar quer vocês gostem ou não. O poder é do povo. Obrigada", disse Greta Thunberg.
Dez anos antes, foi a canadiana a alertar os líderes mundiais de que o tempo está a esgotar-se. "Estou aqui para falar em nome das gerações vindouras. (...) Estou aqui para falar em nome dos inúmeros animais que estão a morrer em todo o planeta porque não têm mais para onde ir. Hoje tenho medo de apanhar sol por causa dos buracos na camada de ozono", dizia a canadiana, hoje com 39 anos, enquanto prendia as atenções numa sala cheia de políticos.
O ar sério, a condizer com as palavras de aviso, num discurso em muito semelhante com que se ouve hoje em dia da boca de muitos ativistas mundiais. Alertas proferidos há quase 30 anos por uma criança, e que agora voltam a ganhar força. "Temos conhecimentos que animais e plantas estão a ser extintos todos os dias, a desaparecer para sempre. (...)Tudo isto está a acontecer perante os nossos olhos e nós agimos como se tivéssemos todo o tempo que queremos e todas as soluções. Sou apenas uma criança e não tenho todas as soluções, nem vocês. Se não sabem como reparar isto, por favor parem de estragar", pediu então a jovem ativista canadiana, em representação da ECO (Environmental Children's Organization - Organização das Crianças pelo Meio Ambiente).
Vinte anos depois, Severn Cullis-Suzuki regressou à cidade carioca, como ativista ambiental, já mãe de dois filhos, a acompanhar o grupo We Canada, para a cimeira Rio+20. Na altura, reconheceu o "momento muito poderoso" que foi o seu discurso, mas não se mostrou muito otimista em relação às ações concretas a favor do planeta depois das suas palavras. "É difícil avaliar a influência que tive na consciência das pessoas. Hoje, 20 anos depois, diria que não conseguimos transformar o mundo num local mais sustentável", disse em entrevista à revista Veja.
Há nove anos, Severn, já uma adulta, voltava a alertar: "Precisamos de uma mudança de paradigma para que o planeta tenha hipótese de sobreviver".
É certo que calou o mundo por cinco minutos, em 1992, com o seu discurso em defesa do ambiente, mas as suas palavras, o seu ativismo não teve o impacto que Greta Thunberg está a ter. O tempo em que vivemos é diferente. Além de se notar mais os efeitos das alterações climáticas, a ativista sueca pode aproveitar a visibilidade das redes sociais para alertar a consciência mundial de que é preciso salvar o planeta. Na era da informação, os cidadãos estão mais informados do que se passa nos seus países e a nível global. Na década de 90, Severn Cullis-Suzuki não tinha as ferramentas poderosas que são hoje as redes sociais.
Se o mundo tivesse, realmente, ouvido a criança canadiana, "os jovens nunca precisariam de sair às ruas para pedir uma oportunidade para um futuro habitável", escreve a académica irlandesa Louise Fitzgerald no jornal Irish Times. Bem pelo contrário. Mais dióxido de carbono foi lançado para a atmosfera desde a cimeira do Rio de Janeiro, mais do que todos os anos anteriores a ela, diz Fitzgerald que cita o livro Terra Inabitável, do jornalista David Wallace-Wells, especialista em mudanças climáticas.
A cimeira, que se realiza durante a semana da Assembleia-geral da ONU, que reúne líderes dos 193 Estados-membros, servirá também para preparar a próxima Conferência das Partes signatárias da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP25), marcada para dezembro em Santiago do Chile.
António Guterres espera planos significativos para reduzir em 45% as emissões de dióxido de carbono durante a próxima década e para chegar à neutralidade carbónica até 2050.
O secretário-geral da ONU escreveu aos líderes de todos os países para que, juntos, na ONU, assumam metas de redução de emissões de gases com efeito de estufa mais ambiciosas do que as prometidas no Acordo de Paris, em 2015, segundo o qual a quase totalidade dos países do mundo se comprometeram a limitar o aumento da temperatura média global a um máximo de dois graus celsius (2ºC) acima dos valores médios registados na época pré-industrial. Está provado que a temperatura no planeta tem vindo a aumentar e que tal se deve à ação humana. O Acordo de Paris pretendeu limitar esse aquecimento a menos de 2ºC e que de preferência não ultrapasse os 1,5ºC.