Gap Year: há um concurso que oferece 5000 euros para viajar pelo mundo

Rita Soares venceu o concurso da Associação Gap Year em 2017. Diz que parar um ano para viajar foi "a melhor decisão que tomou na vida".
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Era dia de Halloween numa pequena aldeia nos arredores de Siem Reap, no Camboja. Rita Soares, de 22 anos, estava a organizar uma festa para as crianças na escola em que dava aulas de inglês, em regime de voluntariado. Questionada pela dona da escola se podia ajudar a entregar alimentos e dinheiro a uma família com dificuldades, Rita respondeu prontamente que sim, sem saber o que a esperava. "Assim que lá cheguei foi como levar com uma chapada de luva branca", conta ao DN. "Quando chegámos a casa da família foi quando me caiu tudo".

A família era constituída pela mãe, diabética e totalmente dependente dos filhos por não se conseguir mexer. Os filhos eram quatro, o mais velho de 14 anos, e na casa de uma divisão apenas - com três paredes feitas de paus de bambu, cheias de buracos - vivia ainda a avó. Havia colchões pendurados na parede, garrafões de água, panelas, pratos, colheres e uma pequena fogueira para cozinhar num espaço que devia ter "pouco mais de dois metros quadrados".

"Junto da cozinha não havia parede, dava diretamente para a rua e a cerca de dois metros estava um chuveiro improvisado, composto por um alguidar e pronto. Não havia casa de banho propriamente dita e o que havia era fora de casa, ao ar livre" conta Rita. Foi o episódio que mais a marcou, confessa, durante os meses que passou no sudeste Asiático, num 'gap year' - ano sabático -no ano de 2018.

Para Rita, este foi o primeiro grande contacto com uma realidade "absurdamente diferente" da que conhecia. "Menos de um mês antes de estar naquele país, na casa daquela família, estava em Portugal. Muito provavelmente, estava sentada no meu sofá a decidir que canal é que queria escolher de entre os 300 que temos disponíveis, ou estava a tomar um duche quentinho de meia hora, porque me apetecia, ou estava a reclamar com alguma coisa da qual nem me lembro, porque não tinha significado nenhum", desabafa. "Apercebi-me do quão pequeninos somos neste mundo, de que aquilo que para mim é básico, para aquela família, por exemplo, era algo impossível de ter. "

Licenciada em Ciências Biomédicas, Rita admite que parar um ano para viajar foi "a melhor decisão" que tomou na vida. Esteve sete meses no sudeste Asiático, regressou a Portugal durante dois meses e foi para a Ásia por mais seis meses. Voltou de vez em dezembro do ano passado.

Rita decidiu fazer uma pausa e lançar-se num gap year por ter tido sempre curiosidade de conhecer novas culturas e realidades. "Sempre tive o sonho de largar tudo e partir à descoberta". Apesar da ideia de parar ter aparecido cedo, enquanto Rita ainda estava no secundário, foi quando estava a terminar a licenciatura e a "ouvir os colegas falar compulsivamente de mestrados" que a estudante percebeu que aquele não era o seu caminho. "Tornou-se claro de que nunca ia realmente sossegar se não realizasse este sonho."

Para conseguir colocar em prática o seu plano, Rita precisava de dinheiro. Decidiu tentar a sorte e candidatar-se ao concurso da Associação Gap Year Portugal, que todos os anos oferece cinco mil euros, no caso de a candidatura ser individual, ou seis mil e quinhentos euros em caso de candidatura conjunta, a quem apresentar o melhor projeto de ano sabático a viajar.

Levou dois meses para desenvolver o projeto e, entre mais 300 candidaturas, Rita acabou por vencer. Diz que ganhou por causa da "dedicação máxima". "A certeza, a vontade a determinação são fundamentais", sublinha.

Candidaturas abertas até 9 de junho

A associação Gap Year Portugal lançou este ano, pela quinta vez consecutiva, o concurso que permitiu a Rita viajar pelo mundo. As candidaturas estão abertas desde 7 de março e fecham a 9 de junho. O desafio proposto pela associação é que os jovens organizem um plano detalhado do seu gap year, e expliquem o que gostariam de fazer durante um ano sabático, detalhando os países que gostariam de visitar e em que tipo de experiências gostariam de se envolver, de voluntariado a estágios. Neste plano, deve estar discriminado um orçamento com gastos na alimentação, transporte e alojamento.

Os candidatos devem ter entre os 18 e os 27 anos e terem concluído um ciclo de ensino - secundário ou superior - este ano ou no anterior.

O presidente da associação, João Pedro Carvalho, disse ao DN que "o concurso Gap Year Portugal surgiu para que não haja qualquer barreira ao gap year. Normalmente, o primeiro entrave é o orçamento, agora já não há desculpas. Estamos aqui para dar a oportunidade ao melhor plano para esse ano de pausa".

Quando delineou o roteiro, Rita Soares pesquisou profundamente sobre cada país que tinha interesse visitar, para saber o máximo possível sobre cada um. Mas, enquanto viajava, acabou por seguir uma linha mais aberta e "as coisas foram mudando consoante as minhas vontade". Algo que, defende, tem de fazer parte da essência do ano sabático.

Planeou com mais detalhe as experiências de voluntariado: utilizou plataformas como o Workaway, Worldpackers, HelpX, blogues de viajantes para se informar e perceber qual a opção que ia mais ao encontro do que procurava dentro dos países que pretendia visitar. "Existe tanta opção e é realmente necessário dedicar algum tempo a isto".

Depois de uma longa pesquisa decidiu começar por ensinar inglês, durante dois meses, a crianças de comunidades rurais nos arredores de Siem Reap no Camboja e depois, durante um mês, a crianças e adultos em centros de explicação, infantários e escolas primárias em Hanói, Vietname. Aventurou-se e propôs-se a trabalhar numa quinta orgânica, chamada de Spicy Villa, nas montanhas de Chiang Mai, Tailândia, durante uma semana. Esteve ainda num santuário de animais tailandês, o Elephant Nature Park, em Chiang Mai, durante três semanas.

O mais importante, garante Rita, é delinear a viagem consoante o custo de vida de cada país e quando se quer gastar em cada paragem, sem esquecer os gastos de preparação, das vacinas aos seguros.

Questionada sobre o impacto que o ano sabático teve na sua vida, a jovem diz que o gap year lhe moldou a forma de ver o mundo. "A Rita que saiu de Portugal em outubro de 2017 já não é exatamente a mesma Rita", admite. "Hoje dou prioridade a outras coisas, dou muito menos importância aos bens materiais e muito mais a coisas que não se podem tocar concretamente. Dou muito mais importância a experiências que me enriquecem enquanto ser humano e às relações interpessoais. "

Rita confessa que, no início, várias situações a chocaram por serem tão diferentes daquilo a que estava habituada. Quando decidiu "desligar o botão do choque" começou a abraçar essas diferenças e tudo acabou por se tornar normal. "Essa capacidade de aceitação, adaptação e também de flexibilidade foi o principal motor que me levou a realmente conhecer um local e as suas pessoas. Pessoas essas que, não tendo muito, sempre me deram muito, sem estarem preocupadas com receber algo em troca. Ensinaram-me a ser um melhor ser humano e a ser uma cidadã do mundo, muito mais consciente da sua realidade. "

Também no percurso profissional de Rita o gap year teve consequências. Diz que o ano sabático a ajudou a perceber que não estava no caminho que queria e, uma vez regressada, decidiu dedicar-se à biologia animal e ambiental.

*Depoimentos recolhidos por Cristiana Reis

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