Crânio ganha novo osso devido ao uso de telemóveis? Especialistas desconfiam

Investigadores australianos apontam que posição da cabeça está a alterar o esqueleto dos jovens adultos.
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Já se sabe que as novas tecnologias como os telemóveis mudaram a nossa forma de vida - seja no trabalho, na comunicação, nas relações. Mas ainda não sabemos o suficiente sobre o modo como as pequenas máquinas que usamos constantemente estão a remodelar os nossos esqueletos, possivelmente alterando mais do que comportamentos e também o próprio corpo humano.

Novas investigações científicas apontam que os jovens estão a desenvolver espinhos semelhantes a chifres na parte de trás do crânio - são esporões ósseos causados pela inclinação frontal da cabeça, que desloca o peso da coluna para os músculos da cabeça, causando crescimento ósseo nas ligações de tendões e ligamentos. A transferência de peso que causa o acumulado pode ser comparada à maneira como a pele engrossa com um calo. O resultado é um gancho ou uma ponta semelhante a um chifre que sai do crânio, logo acima do pescoço, dizem investigadores australianos. Mas as conclusões levantam reservas entre especialistas, como dá conta o jornal The New York Times.

Numa série de trabalhos académicos, um grupo de investigadores da Universidade de Queensland, na Austrália, argumenta que a prevalência do crescimento ósseo em jovens adultos aponta para uma mudança corporal provocada pelo uso da tecnologia moderna. Dizem os cientistas que os smartphones e outros dispositivos estão a contorcer a forma do esqueleto humano, ao exigir que os utilizadores inclinem a cabeça para entender o que acontece nos minúsculos ecrãs.

Os autores dos estudos afirmam que a sua descoberta marca a primeira documentação de uma adaptação fisiológica ou esquelética à penetração de tecnologia avançada na vida quotidiana.

"Uma questão importante é o que o futuro reserva para as populações de jovens adultos quando o desenvolvimento de um processo degenerativo é evidente num estágio tão inicial de suas vidas", referem os autores no artigo publicado na Nature Research. O estudo foi publicado no ano passado, mas recebeu nova atenção após a divulgação, na semana passada, de uma reportagem da BBC que analisa "Como a vida moderna está a transformar o esqueleto humano".

Desde então, as formações incomuns capturaram a atenção da imprensa australiana e têm sido apelidadas de "chifres de cabeça", "ossos do telefone" ou "inchaços estranhos". Cada uma delas é uma descrição apropriada, diz David Shahar, o primeiro autor do artigo, ao The Washignton Post. "Isso depende da imaginação de cada um. Pode dizer-se que parece com o bico de um pássaro, um chifre, um anzol." Para Shahar, a formação é um sinal de uma grave deformidade na postura que pode causar dores de cabeça crónicas e dor na parte superior das costas e no pescoço.

O perigo não é a própria cabeça de chifre, disse Mark Sayers, professor associado de biomecânica na Sunshine Coast, que atuou como supervisor e co-autor no estudo de Shahar. A sua formação é um "presságio de que alguma coisa desagradável acontece, um sinal de que a cabeça e o pescoço não estão na configuração correta", disse.

A resposta não é necessariamente desligar a tecnologia, disse Sayers. Pelo menos, há intervenções menos drásticas. "O que precisamos é de mecanismos que reflitam como a tecnologia se tornou importante nas nossas vidas."

Shahar está a pressionar as pessoas para que se tornem tão conscientes sobre a postura do corpo quanto se tornaram sobre a higiene dental nos anos 70, quando os cuidados pessoais passaram a envolver lavar os dentes todos os dias. As escolas devem ensinar estratégias de postura simples, sugere.

Especialistas dividem-se: "Chifres na cabeça? A sério..."

Agora, as visões céticas sobre o estudo australiano. Especialistas consultados pelo jornal norte-americano The New York Times dividem-se na análise ao relatório, apontando vários fatores que suscitam reserva, como o facto de o estudo ser baseado em radiografias tiradas anteriormente, não ter um grupo de controlo e não conseguir provar causa e efeito. Além disso, as pessoas sbumetidas a esses raio-X eram pessoas que já tinham problemas de pescoço e frequentavam clínicas quiropráticas, o que levanta dúvidas sobre a adaptação dos resultados ao resto da população.

Ao mesmo tempo, é bem conhecido que as pessoas que passam muito tempo com os pescoços esticados para frente podem desenvolver problemas no pescoço e nas costas que causam rigidez, dor e dores de cabeça. "Dobrar a cabeça para frente por longos períodos de tempo, em teoria, poderia causar a formação de um esporão ósseo", anui Evan Johnson, professor assistente e diretor de fisioterapia do Hospital New York-Presbyterian Och Spine.

"Nessa posição, o ligamento que ajuda a segurar a cabeça puxa o crânio, e o osso adaptar-se-ia formando uma pequena protuberância", acrescentou.

"Mas e daí?", questiona. "Essa pequena projeção óssea no crânio não significa nada", desvaloriza, chamando a atenção para uma descoberta mais preocupante do estudo, a partir de ângulos medidos nas radiografias: "o facto de alguns dos pescoços dos pacientes se terem acomodado numa postura anormalmente curvada."

"Se a tecnologia estiver a causar essa mudança postural em toda a população, isso sim, é relevante", refere Evan Johnson. "Podemos ver mais e mais jovens a sofrer de alterações artríticas no pescoço, de degeneração do disco e de uma maior tensão no pescoço."

David Putrino, diretor de inovação em reabilitação da Mount Sinai Health, diz que a conexão entre um pescoço dobrado e as esporas ósseas detetadas no estaudo parece real. E concorda que os ossos em formação de adolescentes são mais propensos do que os dos adultos a este tipo de alterações. "Mas não acho que estejamos ainda num ponto em que possamos culpar os telemóveis por isso".

Já para David Langer, presidente da neurocirurgia do Hospital Lenox Hill, em Nova Nova Iorque, "isso não faz sentido". Langer lembra que os problemas discais são comuns em pessoas que passam muito tempo com o pescoço dobrado, entre eles cirurgiões.

"É mais provável que tenha uma doença degenerativa do disco ou um desalinhamento no pescoço do que um esporão ósseo a sair do crânio", disse o neurocirugião. "Eu nunca vi nada disso e faço um monte de raios-X. Eu odeio fazer de mau da fita, mas isso parece um pouco exagerado. Chifres na cabeça? A sério..."

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