IPO de Lisboa gasta um milhão de euros por semana em medicamentos
Em 2016, o instituto gastou 37 milhões de euros em medicamentos, em 2017, 40 milhões e este ano vai aproximar-se dos 50 milhões de euros, ou seja, cerca de um milhão de euros por semana em medicamentos, afirmou em entrevista à agência Lusa o novo presidente do IPO de Lisboa, João Oliveira, que assumiu o cargo em novembro.
"A despesa com os medicamentos tem crescido muito depressa, e não é só no instituto de oncologia, mas na oncologia particularmente, e tem sido muito difícil uma previsão feita agora é muitas vezes falseada nos meses que se seguem de uma maneira completamente imprevisível", adiantou o médico oncologista.
João Oliveira advertiu que esta tendência vai continuar "se não houver possibilidade, tanto a nível nacional como a nível interestadual na Europa, de criar algumas regras à forma como o preço dos novos medicamentos vem aumentando, nem sempre em correspondência com a valia que eles têm".
"Existe uma noção que não tem sido contrariada de que tudo o que é novo é forçosamente muito bom e, portanto, merece ser muito caro, mas não é verdade", frisou na entrevista a propósito dos 95 anos do IPO de Lisboa, que se assinalam no sábado.
No seu entender, "é muito importante" que "uma grande instituição, como é o Serviço Nacional de Saúde, tenha capacidade para distinguir o que é de facto uma grande inovação e uma terapêutica, que merece um preço elevado, e coisas que vão à boleia das inovações só porque apareceram na mesma altura e que não justificam uma despesa tão grande".
"Mas isto é uma capacidade que tem que ser criada intrinsecamente, não é uma coisa que se beba na Europa, cada país e quase que cada instituição tem as suas particularidades e tem que ter a sua capacidade de avaliação", sustentou.
Questionado se há pressão por parte da indústria a da própria sociedade para os hospitais adquirirem medicamentos inovadores, o administrador afirmou: "Claro que há pressão".
"Há pressão" porque as pessoas dão "muito valor aos medicamentos e, por isso, é muito fácil que se crie uma opinião de que, ao considerar que determinado medicamento não é tão bom como as expectativas o davam, se está a ter uma atitude 'financeirista', mas não é o caso, é mesmo uma questão de distinguir as pressões de caráter comercial das pressões de caráter médico e isso não é sempre fácil".
Para o administrador, é preciso separar o que "é imperativo usar porque vai de facto mudar a vida das pessoas" do que está "a ser promovido de uma maneira puramente comercial".
"Mas essa é uma distinção que precisa de 'know-how' médico e de outras profissões e que tem que ser consignada e reconhecida" e que "não se resolve a nível de uma instituição única", disse, defendendo que terá de ser o SNS, com a escala e a dimensão que tem e com a sua capacidade de avaliação, "distinguir o essencial do acessório".
Se fica alguma coisa por fazer devido ao crescimento da despesa com medicamentos, João Oliveira afirmou que não, mas "cria-se défice e cria-se dívida".
"É preciso ter uma grande capacidade e uma capacidade que tem que ser sistémica do Serviço Nacional de Saúde para perceber onde é que se gasta bem o dinheiro, e isso acho que temos a nível nacional algum caminho por fazer", e "uma capacidade grande para distinguir o acessório do essencial e vontade para contrariar algumas expectativas comerciais que sendo justas contribuem para desequilibrar".
João Oliveira considerou ainda que a construção do novo edifício junto à Praça de Espanha seria uma "espécie de presente" do centenário da instituição criada pelo cirurgião Francisco Gentil.
As obras do novo edifício, orçadas em 30 milhões de euros e que permitirão garantir o funcionamento do IPO no centro de Lisboa num horizonte temporal de 15 a 20 anos, estavam previstas arrancar este ano na sequência da assinatura em janeiro de 2017 um protocolo entre a instituição e a Câmara Municipal de Lisboa (CML).
No edifício a construir, o IPO pretender reunir consultas externas, serviços de atendimento não programado, central de colheitas, laboratórios, hospital de dia de adultos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica, fisioterapia, laboratórios, unidades técnicas de gastroenterologia, pneumologia, urologia, dermatologia e ainda a dádiva de sangue.
"É uma construção que esperamos que seja uma realidade e para a qual já existe uma parte do financiamento avançada, mas ainda precisa de mais elementos para se concretizar", disse o presidente do instituto. Segundo João Oliveira, "já existem diversos contactos", mas "há partes do financiamento que ainda não estão asseguradas", sendo esse "o principal problema a resolver".
Sobre os 95 anos do instituto, que nasceu do sonho e do trabalho do médico Francisco Gentil, João Oliveira disse que são "uma data que não pode deixar de ser celebrada" e que vai servir de preparação e de lançamento das celebrações dos 100 anos do IPO.
As iniciativas previstas são a constituição de uma Comissão Organizadora, com personalidade do IPO e da sociedade civil, a criação do Prémio Científico de Investigação em Oncologia Francisco Gentil, uma conferência internacional sobre cancro, a modernização da Imagem do IPO e o lançamento de um novo 'website' e materiais informativos dirigidos aos doentes
Várias obras estão a decorrer no IPO de Lisboa para melhorar a resposta aos doentes, como a construção de um novo bloco operatório e de uma nova Unidade de Transplante de Medula, que estarão concluídas em 2019.
"O edifício novo é importante, mas todas estas obras que temos em curso ou projetadas são desafios, porque nos dias de hoje não é fácil manter os prazos, manter os custos, manter a funcionalidade das instalações durante as obras, porque não podemos parar", e sem prejudicar os doentes".
Além das instalações, existem "objetivos relacionados com a sustentabilidade económica, financeira, social e até ambiental" com "o aprofundamento do caráter de referência do instituto em relação ao Serviço Nacional de Saúde, com o reforço do reconhecimento e da maneira como o IPO é visto pelos restantes membros da sociedade".
"É para nós muito importante criar formas de organização no atendimento dos doentes que sejam simples e eficazes porque tudo o que hoje existe para pôr ao serviço dos doentes com cancro rodeia-se de uma enorme complexidade que obriga a gerir-se bem as trajetórias dos doentes, a subsidiariedade de uns atos em relação a outros, sem nunca perder de vista a utilidade que tenham efetivamente para os doentes", disse João Oliveira.
O presidente do IPO de Lisboa reconheceu também que tem sido "muito difícil" fixar os melhores profissionais, lamentando não haver forma de os premiar além do reconhecimento profissional.
"Não é novidade para ninguém que os serviços públicos neste momento têm dificuldades em manter os seus quadros, nomeadamente na saúde, a competição com o setor privado é muito grande e os argumentos para retermos os melhores profissionais não são muitos e isso obriga-nos a ser imaginativos e sobretudo a tratarmos bem as pessoas", adiantou.
João Oliveira lembrou as "muitas restrições à remuneração e às condições de trabalho dos servidores públicos" ocorridas durante os anos da crise.
"A evolução das carreiras nas diversas profissões teve tempos diversos que criaram uma complexidade enorme, o que associado às restrições, que foram sempre muito cegas, cria problemas até legais na forma como remuneramos, premiamos e reconhecemos o labor dos nossos profissionais", adiantou.
Mas, apesar das dificuldades e de "um desfavorecimento muito grande em relação aos setores privados, segundo aquilo que nos dizem, nunca nenhum profissional regateou a sua colaboração, com a maior das dedicações, apesar de se sentir injustiçadamente mal compensado do ponto de vista remuneratório".
"Isso é uma riqueza que este instituto tem e que gostaríamos de continuar a premiar, podendo encontrar formas de fixar os nossos profissionais de maneira mais eficaz", defendeu.