Aos 18 anos, Ethan recebeu as vacinas que os pais lhe negaram. E tornou-se símbolo da vacinação

O norte-americano Ethan Lindenberger lutou durante anos contra os argumentos da mãe, que acredita nos mitos que associam as vacinas a casos de autismo. Agora que atingiu a maioridade resolveu receber a vacinação que lhe foi negada e transformou-se num exemplo para muitos outros jovens
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O regresso de doenças que se pensava estarem praticamente erradicas marcou a Europa nos últimos anos. Prova disso é o facto de 2018 ter sido o ano desta década com mais casos de sarampo. Mas não são só os europeus que vivem esta ameaça, que se tornou global devido a movimentos anti-vacinação, que se servem do medo e das redes sociais para espalharem mitos sobre os riscos das vacinas. Ethan Lindenberger, um jovem que vive no Ohio (Estados Unidos da América), quebrou agora esse ciclo de medo que lhe foi passado pela mãe e converteu-se num pequeno símbolo da luta contra esses movimentos: quando fez 18 anos resolveu receber as vacinas que os pais lhe recusaram durante toda a sua vida.

"Só Deus sabe como ainda estou vivo", desabafou Ethan no final do ano passado na rede social Reddit, altura em que pediu ajuda pública num post intitulado "Os meus pais são um bocado estúpidos e não acreditam em vacinas". Na mensagem, detalhou as suas lutas contra os argumentos dos pais, que acreditam em mitos já amplamente desmentidos que ligam as vacinas a casos de autismo ou lesões cerebrais e associam a vacinação a um plano orquestrado pelo governo. "É realmente estúpido e tive mais de uma discussão sobre o tema com eles. Mas devido às suas crenças, nunca fui vacinado contra nada".


A irmã mais velha de Ethan ainda foi vacinada e um dos seus irmãos recebeu parte da imunização, altura em que a mãe descobriu os artigos que defendiam uma associação entre as vacinas a casos de autismo. Sublinhe-se que um 'estudo' de Andrew Wakefield e outros 12 especialistas publicado na Lancet em 1998, que sugeria a relação entre a vacina VASPR (contra o sarampo, a papeira e rubéola) e o autismo, foi completamente desacreditado e o seu principal autor caiu em desgraça. Em 2004, Wakefield foi acusado de ter recebido dinheiro dos advogados de pais de crianças autistas que queriam processar os produtores da vacina para falsificar dados clínicos. Investigações sobre o caso concluíram que Wakefield terá recebido cerca de 500 mil euros para adulterar os dados e que das 12 crianças analisadas cinco já tinham problemas de desenvolvimento antes de receberem a vacina e outras três nunca tiveram autismo. Em 2010, o artigo foi retirado dos arquivos da Lancet, que pediu desculpa pela sua publicação, mas ainda hoje é usado por alguns defensores dos movimentos anti-vacinas.

Jovens procuram informação

Depois de anos a ser questionado pelos professores e colegas, e após pesquisas sobre os argumentos dos movimentos anti-vacinação, Ethan apercebeu-se que o que a sua mãe defendia não fazia sentido. "Quando comecei a pensar no meu caso tornou-se muito claro que havia muito mais provas a favor da vacinação", contou o jovem à rádio norte-americana NPR. Quando confrontou a mãe com um artigo dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) que desconstruía a ligação entre as vacinas e o autismo, a resposta que recebeu foi um lacónico "eles querem é que tu acredites nisso". O que só reforçou a sua vontade de ser vacinado assim que atingisse a maioridade.

Ethan recebeu recentemente as primeiras doses de imunização para doenças como o HPV, gripe e as hepatites A e B. E já tem mais agendadas para o final de fevereiro. Uma decisão que foi recebida como "uma chapada na cara" pela sua mãe, que sempre olhou para a sua discordância como um sinal de rebeldia e não de verdadeira defesa das vacinas por questões de saúde.

Além da importância do seu testemunho, o post de Ethan serviu também como veículo para muitos outros jovens procurarem informações sobre vacinas, nomeadamente onde e até que idade se podem vacinar. Preocupação que acompanha o surgimento de um surto de sarampo no Estado de Washington (costa oeste), que levou mesmo à declaração no final de janeiro do estado de emergência. Segundo o CDC, o Estado e a cidade de Nova Iorque também têm surtos da doença, que tem casos registados num total de dez Estados.

Na Europa, o número de pessoas infetadas pelo vírus em 2018 "foi o maior na década", sendo que houve três vezes mais casos reportados do que em 2017 e 15 vezes mais do que no ano com o número mais baixo de pessoas afetadas (2016), informou recentemente a Organização Mundial de Saúde. De acordo com a organização, no ano passado cerca de 82.000 pessoas contraíram esta doença infecciosa em 47 dos 53 países da região. A OMS explica que, apesar de o número de crianças a serem vacinadas contra o sarampo na Europa ser o maior de sempre, "o progresso tem sido desigual entre e dentro de países", o que tem levado a um aumento de bolsas de indivíduos suscetíveis e desprotegidos, "resultando num número recorde de pessoas afetadas pelo vírus em 2018".

Em Portugal, o número de casos de sarampo no ano passado foi quase cinco vezes maior do que em 2017, subindo para um total de 162, de acordo com dados recentes da Direção-Geral da Saúde (DGS), que tem reforçado os apelos e a informação sobre vacinação. Ficam algumas das questões a que a DGS responde no seu site.

As vacinas são seguras?

Após tantos anos de experiência e muitos milhões de vacinas administradas em todo o mundo, pode afirmar-se que as vacinas têm um elevado grau de segurança, eficácia e qualidade.

Porque é que há pessoas que têm mais receio das vacinas do que das doenças que elas evitam?

Há algumas décadas, milhares de crianças e adultos morriam ou ficavam incapacitados por doenças como a varíola, a difteria, a tosse convulsa, a poliomielite e o sarampo.

Hoje em dia a situação é muito diferente, devido aos programas de vacinação, que permitiram erradicar a varíola e controlar as outras doenças. A maioria dos pais de hoje, e também alguns profissionais de saúde, nunca viram uma criança paralisada por poliomielite, a sufocar por causa da difteria, com lesões cerebrais por causa do sarampo, ou a morrer por causa de uma tosse convulsa, não tendo portanto a noção da gravidade dessas doenças e dos benefícios incalculáveis conferidos pela vacinação em larga escala.

A vacinação pode ser vítima do seu próprio sucesso. A eliminação ou o controlo das doenças evitáveis pelas vacinas incluídas no Programa Nacional de Vacinação pode alterar a perceção do risco, com a falsa sensação de que há um maior risco decorrente da administração das vacinas do que das doenças por elas prevenidas.

As vacinas são seguras e eficazes. Todas as crianças e adultos devem cumprir os esquemas de vacinação recomendados para a sua idade e estado de saúde.

Por que motivo nos devemos vacinar?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) apresenta 7 razões que justificam a importância da vacinação:

- As vacinas salvam vidas: antes da introdução da vacinação de rotina das crianças as doenças infeciosas eram a principal causa de morte na infância, e eram também causa de muito sofrimento e de incapacidade permanente.

- A vacinação é um direito básico de todos os cidadãos: com a criação dos programas nacionais de vacinação conseguiu-se atingir uma percentagem elevada de cidadãos vacinados contra as doenças alvo desses programas, conseguindo controlar as doenças evitáveis pela vacinação, com uma enorme diminuição do número de mortos e de incapacidades.

- Os surtos de doenças evitáveis pela vacinação são ainda uma séria ameaça para todos: atualmente, devido ao sucesso dos programas de vacinação, a maioria das pessoas desconhece a gravidade das doenças evitáveis pela vacinação, não se apercebendo da importância e dos ganhos conferidos pelas vacinas. No entanto, com exceção da varíola, considerada erradicada pela OMS em 1980, os microrganismos responsáveis pelas doenças evitáveis pela vacinação continuam a existir na comunidade, sendo uma ameaça à saúde de todos os que não estão protegidas pelas vacinas. Como exemplo, temos os surtos de sarampo na Europa que ocorrem maioritariamente em pessoas não vacinadas, outro exemplo é o surto de poliomielite num país livre da doença e que teve origem num doente vindo de um país onde ainda existia circulação do vírus.

- As doenças podem ser controladas e eliminadas: com uma vacinação sustentada e em grande escala as doenças como o sarampo podem ser eliminadas da Europa, à semelhança do que ocorreu com a poliomielite e como já sucedeu com a varíola. Para que tal seja possível, é necessário que uma percentagem muito grande da população adira aos programas nacionais de vacinação.

- A vacinação é custo-efetiva, ou seja, o seu custo compensa largamente os custos associados ao tratamento das doenças e das suas complicações (incluindo a morte).

- As crianças dependem do sistema de saúde dos respetivos países para terem acesso à vacinação gratuita e segura: os programas nacionais de vacinação permitem que todas as pessoas recebam as vacinas de acordo com a sua idade e em serviços de saúde competentes.

- Todas as crianças devem ser vacinadas: para se conseguir controlar uma doença, é necessária uma grande proporção de pessoas vacinadas. A eliminação do sarampo, por exemplo, requer que pelo menos 95% das pessoas estejam vacinadas. Cada pessoa não vacinada corre o risco de adoecer e aumenta o risco de transmitir a doença na comunidade.

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