São quase 400 espécies, entre 117 anfíbios e 278 répteis, com as respetivas descrições taxonómicas, distribuição geográfica e contexto ecológico e climático. É o Atlas dos Répteis e Anfíbios de Angola, uma obra de referência, que reúne toda a informação disponível sobre esta fauna naquele país africano de língua portuguesa, e que acaba de ser publicado pela Academia de Ciências da Califórnia, nos Estados Unidos, sob o título Diversity and Distribution of the Amphibians and Terrestrial Reptiles of Angola. O atlas vai estar também disponível online, para consulta gratuita, e será apresentado em Luanda ainda neste mês..Mais de um século depois da publicação, em 1895, do primeiro Atlas dos Répteis e Anfíbios de Angola, pelo naturalista português José Vicente Barbosa du Bocage, o novo trabalho, da autoria dos biólogos portugueses Mariana Marques e Luís Ceríaco, e dos norte-americanos Aaron Bauer e David Blackburn, foi elaborado em parceria com o Ministério do Ambiente de Angola e vem coligir toda a informação disponível sobre a fauna herpetológica (assim lhe chama a biologia) que estava há muito desatualizada, ou andava dispersa por diferentes arquivos e publicações.."Esta é uma nova e importante ferramenta de trabalho para a comunidade científica e para os investigadores no terreno, mas também para as autoridades do país, porque permite conhecer melhor os problemas das espécies nas várias regiões e planear as políticas de conservação com base no conhecimento científico", explica ao DN Mariana Marques, investigadora do CIBIO - Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, da Universidade do Porto, e a primeira autora deste atlas..Luís Ceríaco, da Universidade de Villanova, nos Estados Unidos, e do Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC), da Universidade de Lisboa, coautor da obra, que em agosto, juntamente com Mariana Marques e a bióloga angolana Suzana Bandeira, do Instituto Nacional de Biodiversidade e Áreas de Conservação de Angola, publicou a descoberta de uma nova espécie de sapo-pigmeu no sul de Angola, tem esta mesma visão. "Desde a publicação do primeiro atlas, em 1895, descobriram-se muitas outras espécies, há muito mais conhecimento científico, era importante reunir todo essa informação. Por isso, decidimos avançar para este trabalho", conta..Apesar de as descobertas mais recentes, como a do novo sapo-pigmeu, ainda não constarem do atlas - ele inclui todas as descobertas até meados de 2017 -, a obra "será posteriormente atualizada", adianta Luís Ceríaco..Neste preciso momento, aliás, a equipa que ele liderou durante a expedição que levou à descoberta do novo sapo-pigmeu já tem mais duas novas espécies de répteis na calha para publicação, "o que deve acontecer até final do ano", adianta, por seu turno, Mariana Marques..Para a investigadora, uma das grandes vantagens deste atlas é pôr também em evidência as regiões de Angola sobre as quais não há dados em relação a esta fauna. Essas zonas, explica, "são áreas prioritárias a estudar no futuro"..Um projeto de mestrado.O atlas teve origem no projeto de mestrado de Mariana Marques, iniciado em 2012. "Não sabia bem que tema escolher e, em conversa com o Luís [Ceríaco], que conhecia o Aaron Bauer [especialista em répteis da universidade de Villanova, nos Estados, que fez a revisão científica do trabalho], surgiu a ideia de reunir toda a informação disponível sobre esta fauna em Angola", conta a bióloga.Acabou por ser um trabalho de minúcia, que a levou a inúmeros arquivos em vários países, para fazer o levantamento sistemático das espécies descobertas e descritas ao longo de mais de um século, depois da obra inicial de José Vicente Barbosa du Bocage. Nesse primeiro atlas, o naturalista português descreveu um total de 186 espécies - 32 anfíbios e 154 répteis -, as que então se conheciam da fauna herpetológica angolana. Hoje estão descritas quase 400. Destas, 36 (18 anfíbios, 29 lagartos e sete serpentes) são endémicas, ou seja, só existem em Angola..A investigadora partiu daquele núcleo inicial reunido pelo "pai" da zoologia portuguesa, passou a pente fino o Arquivo Histórico do Museu Bocage (que ganhou o seu nome), no MUHNAC, e o do Centro de Zoologia do Instituto de Investigação Científica Tropical, e depois embrenhou-se em arquivos noutros países: o do Museu Nacional de História Natural, em Luanda, e o do Museu Regional do Dundo, ambos em Angola, e outros na Europa e nos Estados Unidos, como os arquivos do Museu de História Natural, em Paris, ou da Academia de Ciências da Califórnia, foram apenas alguns deles..Dois anos depois, a bióloga tinha concluído o trabalho, que acabou por se tornar o embrião do atlas, e ao qual foram depois acrescentadas as novas espécies que os próprios autores entretanto descobriram em expedições realizadas no terreno até meados de 2017..No futuro, esperam que as espécies entretanto descobertas passem a figurar também no seu atlas. "Tal como atualizámos a obra de Bocage, esperamos que a nossa seja atualizada". Isso "significará que a herpetologia angolana se está a desenvolver", conclui Luís Ceríaco.