Haverá águas que curam a covid-19?

Artigo de opinião de Jorge Mangorrinha, professor universitário e Investigador em Termalismo.
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O termalismo, com os efeitos benéficos da água mineral natural para a saúde, tem uma história antiga à escala mundial. Portugal marcou-a, com episódios singulares, sobretudo na Medicina e na Arquitetura, desde a fundação do primeiro grande Hospital Termal, quatrocentista e hoje o mais antigo do mundo, à invenção do parque termal delimitado distribuído por diferentes geografias, como microcosmo encerrado em si mesmo, onde a vida se transforma a bem da saúde física e psíquica e, também, se afasta do quotidiano normal dos seus utilizadores.

Para acrescentar valor às águas portuguesas, até agora cientificamente reconhecidas em termos internacionais, assistimos à mediatização da água de Cabeço de Vide, primeiro porque a NASA, conjuntamente com a Universidade de Coimbra que a estudou e com o patrocínio da comunidade científica norte-americana, viu nela características de "origem da vida" nos planetas do sistema solar, pelo seu pH de 11,5 e pelo processo geoquímico de serpentinização quando uma rocha rica em magnésio e ferro é convertida em minerais de argila. Juntamente com um pH elevado, este processo produz hidrogénio que, por sua vez, poderá conduzir à formação de microrganismos vivos.

Na origem da excecionalidade desta água está, portanto, o sistema geológico e hidrogeológico, raro, através de processos de interação água-rocha e da atividade microbiana existente nestes ambientes extremos de pH tão elevado. Ela detém um ADN único no País e é um referencial à escala internacional.

Acontece que, no corrente ano, estas águas sulfúreas foram levadas aos domicílios e já negativaram uma centena de vítimas da covid-19, mas tal foi feito sem apoio médico e sem enquadramento científico que prove esta relação, embora se coloquem como hipóteses de trabalho as seguintes questões:

a) Terá influência o facto de a água mineral natural ser muito alcalina, bem acima das restantes, ou será, antes, pela particularidade do seu genoma, raro, que possui microrganismos capazes de aumentar a imunidade e destruir a membrana lipídica do vírus?

b) Será que os casos com esta doença evoluem independentemente do que os aquistas tomem, bebam ou comam.

Esta água não é indicada para ser bebida normalmente, como outras com um pH entre os 6,5 e os 9, embora possa ser consumida em pequenas quantidades, localmente nas termas e com acompanhamento profissional, tal como eu próprio fiz, recentemente, numa experiência única de hospitalidade, quietude e alimentação equilibrada.

A Organização Mundial da Saúde e a Direção-Geral da Saúde têm repetido que não existe qualquer tratamento cientificamente comprovado para a covid-19, pelo que o acompanhamento dos doentes se tem focado no alívio dos sintomas da doença. Importaria, pois, que as autoridades nos pudessem esclarecer, cientificamente, com provas analíticas acerca deste fenómeno recente.

Estude-se, então, e promova-se, decididamente, o potencial terapêutico destas e de outras águas minerais naturais do País, apostando-se nos recursos endógenos em tempo de crise.

Neste preciso ano, passam dois séculos sobre a primeira análise científica das Termas de Cabeço de Vide (1820). No ano anterior, os moradores requereram ao Ministério do Reino que se mandasse fazer reparos na fonte de água mineral, de que muitos doentes haviam recebido benefício. O Ministério instruiu a Academia Real das Ciências de Lisboa para analisar a água, o que ocorreu em abril de 1820 pelo médico Francisco Xavier de Almeida Pimenta e pelo químico Tomé Rodrigues Sobral.

Dois séculos depois, importaria que as análises fossem outras e que possamos saber, com rigor, se este balneário poderá alargar as suas indicações terapêuticas, com benefícios para a saúde e, consequentemente, para o turismo. A evolução do termalismo científico partiu, simplesmente, de evidências de cura ou de melhoria da saúde das populações e dos animais, pelo que, presentemente, temos outros acontecimentos que precisam de investigação e de pedagogia, dos quais as autoridades políticas e sanitárias, bem como as universidades, se não devem alhear. Os recursos riquíssimos da água mineral natural no nosso País poderão ser um fator de desenvolvimento, em particular do território de interior, aliados à investigação aplicada à validação das águas e ao desenvolvimento de produtos turísticos. Uma vez mais, estamos a defender o mesmo, tal como há 40, 30, 20 anos, mas esta estratégia é a chave para que o interior ganhe competitividade, depois do enorme falhanço dos fundos comunitários das últimas décadas. O interior é cada vez mais interior enfraquecido e os seus limites geográficos estão a alargar-se em direção ao litoral. O País está pobre, mas não perdeu recursos naturais, de que, neste artigo, sublinhámos as suas águas minerais naturais.

A bem da saúde!

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