Fio com 50 mil anos mostra que neandertais tinham consciência numérica
É mais um facto que lança dúvidas sobre se os neandertais eram cognitivamente e tecnologicamente inferiores ao homem moderno: um pequeno cordão encontrado numa gruta, no sul da França, mostra que quem a fabricou, entrelaçando as fibras, tinha consciência numérica e dominava a tecnologia têxtil.
É o pedaço de corda mais antigo encontrado até agora - tem cerca de 50 000 anos. Segundo um estudo publicado no Scientific Reports, citado pela BBC, trata-se de um fragmento de cordão de três camadas, entrançadas entre si, feito a partir da casca de uma árvore. Foi descoberto, junto a uma ferramenta de pedra com 60 mm de comprimento, e recuperada no sítio pré-histórico de Abri du Maras.
Até agora, os arqueólogos e paleoantropólogos estavam habituados a encontrar em locais anteriormente habitados por neandertais, como Abri du Maras, fauna ou ferramentas de pedra. Materiais perecíveis, como este, não costumam ser descobertos.
Segundo o estudo, a existência deste pedaço de corda vem mostrar que os neandertais entendiam conceitos como pares, conjuntos e números. Mais: estas fibras entrelaçadas fornecem a base para o fabrico de roupas, bolsas, redes e até barcos, logo poderiam dominar a técnica têxtil -contrariando assim a teoria de que eram menos avançados tecnologicamente que o homo sapiens.
Mais uma descoberta sobre os neandertais - que desapareceram há cerca de 40 000. E que já eram conhecidos por produzirem alcatrão de casca de bétula, arte e de fazerem contas com conchas. Também dominavam o fogo, habitavam em abrigos, eram habilidosos caçadores de animais de grande porte e faziam questão de enterrar os seus mortos em sepulturas.
Esta descoberta foi levada a cabo por uma equipa internacional, que junta investigadores da França, dos EUA e da Espanha. Acredita-se que o cordão - com 6,2 mm de comprimento e 0,5 mm de largura - terá sido fabricado a partir da casca interna de uma árvore conífera
Bruce Hardy, do Kenyon College, no estado norte-americano do Ohio, é o autor principal do estudo. Concluiu igualmente que a produção do cordão demonstra que os neandertais tinham um entendimento ecológico detalhado das árvores e de como transformá-las em diferentes instrumentos funcionais.
A produção do cordão também implica uma compreensão cognitiva dos números e a existência de memória operacional. Isto porque, entrançar os fios, para lados opostos, exige o acompanhamento de várias operações sequenciais.
Já em março deste ano foi divulgado na revista Science uma outra descoberta, mas em Portugal, que confirmou que os neandertais já praticavam uma economia de subsistência cem mil anos antes do que se julgava.
O investigador - e coordenador do estudo - João Zilhão, das universidades de Lisboa e de Barcelona, em declarações à agência Lusa, referiu na altura os resultados da sua investigação na gruta da Figueira Brava, em Setúbal, segundo os quais as populações neandertais, ao longo da costa, já pescavam e recolhiam moluscos.
"Pensava-se que isto só acontecia com as populações do sul de África, anatomicamente modernas, que, graças ao Omega3 e outros ácidos gordos, tinham desenvolvido inteligência e capacidades cognitivas iguais às nossas e superiores às dos neandertais", disse o investigador.