
Vida e Futuro
Entre os doces e a alimentação saudável: a responsabilidade dos pais
A pressão é constante, e muitas vezes são os pais a ceder. Por muitas regras que existam para a alimentação saudável das crianças e jovens nas escolas, se os pais não ajudarem e continuarem a "adoçar" as lancheiras e a financiar almoços de fast food, o objetivo será difícil de alcançar.
Os mais novos querem levar bolachas de chocolate e iogurtes com smarties nas lancheiras. Os mais velhos dizem aos pais que preferem almoçar um hambúrguer no café ao lado da escola porque a comida do refeitório não é boa. No início do ano letivo, as preocupações dos encarregados de educação não se podem limitar aos materiais escolares, devem alargar-se ao que os filhos vão comer enquanto estão na escola.
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E quem pode atirar a primeira pedra? Por muitas regras que haja, dizem professores e especialistas em nutrição, e mesmo que os estabelecimentos de ensino sejam rigorosos a cumprir as orientações para a promoção de uma alimentação saudável, os pais não podem desresponsabilizar-se.
"Certamente que as escolas têm de promover um ambiente e a literacia alimentar saudável, através de trabalho e atitudes, mas os pais também devem ser responsáveis pelo tipo de alimentação que dão aos filhos ou pelo tipo de alimentos que lhes colocam nas lancheiras", diz Alexandra Bento, presidente da Ordem dos Nutricionistas.
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E há pais que todos os dias recheiam as lancheiras dos filhos com alimentos que estão fora da lista recomendada pelo Ministério da Educação e pela Direção-Geral da Saúde (DGS): bolachas calóricas, chocolates, refrigerantes. Mas também são recorrentes as notícias de que há escolas com máquinas de venda automática que continuam a disponibilizar refrigerantes, chocolates, batatas fritas... Ou de bares que vendem rissóis e bolos com creme. Ofertas que chocam com as regras e recomendações para a promoção da alimentação saudável, mas também com os planos de combate ao excesso de peso e à obesidade infantil.

São recorrentes as notícias sobre a existência de máquinas de venda automática nas escolas com produtos não recomendados.
© Leonardo Negrão/Global Imagens
A taxa da obesidade infantil está agora nos 30%, uma tendência decrescente em relação à monitorização feita em 2008 e que para Maria João Gregório, presidente do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da DGS, poderá já refletir os mecanismos existentes para promover uma boa alimentação nas escolas - Orientações sobre Ementas e Refeitórios Escolares (que sugere mesmo receitas) e Educação Alimentar em Meio Escolar: Referencial para -uma Oferta Alimentar Saudável, por exemplo. A tabela que define o perfil dos alimentos e bebidas com publicidade dirigida a menores de 16 anos foi publicada neste mês.
"Do outro lado da rua, há cafés que vendem porcarias e os pais são coniventes"
Ainda não se pode antecipar qual será a oferta alimentar neste ano letivo, nomeadamente ao nível das máquinas automáticas ou da qualidade das ementas, mas Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, alerta que pais e alunos devem denunciar situações negativas. "Os diretores têm sempre a porta aberta para os pais poderem almoçar na escola, para saberem o que os filhos comem."
A alimentação dos estudantes, dentro e fora, não deixa de causar indignação a Filinto Lima: "Vivemos numa sociedade hipócrita. Do outro lado da rua, há cafés que vendem porcarias e os pais são coniventes com isso porque dão dinheiro aos filhos para almoçarem por tuta-e-meia uma espécie de hambúrguer ou piza com uma coca-cola, em vez de preferirem que eles façam uma refeição equilibrada na escola."
Diz mais: "Na escola não pode haver certos alimentos, mas existem à venda mesmo em frente. E alguns alunos vêm para dentro da escola com essas porcarias, e não são só guloseimas, são refeições. Não estou contra os cafés, que fazem o seu negócio. Os pais é que deviam pensar duas vezes. Isto é um trabalho coletivo, e deve passar pela sensibilização de todos nós. Embora eu ache que já há muita preocupação com o que se come, nomeadamente por parte das raparigas."

A sopa está incluída em todas as ementas escolares.
© Paulo Spranger/Global Imagens
Jorge Ascenção, presidente da Confederação das Associações de Pais (Confap), concorda que há famílias que compram alimentos com demasiado açúcar e excessivamente calóricos. "Há uma necessidade de fazer ações de sensibilização junto das famílias. Muitas associações de pais convidam nutricionistas para falar do assunto mas parece que não tem tanto valor como se fosse a escola a organizar."
O representante dos pais defende ainda que a questão da obesidade deve integrar os programas das escolas, nomeadamente no ensino para a cidadania: "A escola está mais preocupada com o saber cognitivo do que com a humanização", critica.
Ordem quer 30 nutricionistas nas escolas
E se há escolas que continuam a não cumprir as regras da promoção da alimentação saudável, isso acontece, segundo Alexandra Bento, porque o Ministério da Educação ainda não assumiu esta meta como prioritária: "Porventura, o Ministério da Educação não tem os mecanismos necessários para avançar nesta área. Está focado noutras áreas, como os professores, os manuais escolares, os currículos e muitas vezes relegam a promoção da alimentação saudável para segundo plano. Mas tem de colocar o assunto na agenda pública, assumir isto como uma prioridade."
Um papel que, na opinião da bastonária dos nutricionistas, deve ser desempenhado em parceria com outros atores: saúde, educação, ambiente, economia e agricultura.
Mas também alerta que, para se desenvolver esse trabalho, o Ministério da Educação precisaria de uma rede com pelo menos 30 nutricionistas - segundo Alexandra Bento, atualmente são apenas dois. O ideal, defende, seria a existência de um nutricionista por cada estabelecimento de ensino. Mas tem noção de que não se consegue passar de oito para oitenta.
A equação preço versus qualidade
Falta de mecanismos que promovam uma boa alimentação nas escolas não faltam, garante Maria João Gregório, da DGS. "O que pode estar em causa é a não existência de uma tradição de fiscalizar. E quando não se fiscaliza há um grande risco de aquilo que se define não ser cumprido.
Sobre a qualidade das refeições escolares, a responsável da DGS sublinha que "muitas vezes os pressupostos da contratação pública não são de modo a beneficiar a qualidade em função do preço, o que condiciona a oferta alimentar".
Jorge Ascenção e Filinto Lima apontam outra questão: o facto de serem já poucas as escolas que, por falta de funcionários, optam por contratar o fornecimento de refeições. Além de os preços mais baixos não serem sinónimo de qualidade, o recurso a empresas externas leva, diz o líder da Confap, a que muitas vezes a comida perca propriedades ao ser transportada ou chegue fria à mesa.

Pais alertam que é preciso criar condições para a comida chegar quente e com bom aspeto às mesas.
© Paulo Spranger/Global Imagens
"Se queremos que as crianças comam saudavelmente, temos de lhes facilitar aquilo de que gostam, comida quente e com bom aspeto. Lá porque são crianças isso não se pode desvalorizar", acrescenta Jorge Ascenção.
Filinto Lima garante, contudo, que os diretores de escolas estão cada vez mais atentos à quantidade e `a qualidade da comida servida aos alunos. E lembra que a ASAE faz várias deslocações às escolas para fiscalizar, pelo que, defende, há uma supervisão mais apertada.
Dá ainda o exemplo da medida que introduziu na sua escola, a Dr. Costa Matos, em Gaia - todos os dias, aleatoriamente, dez alunos respondem a um questionário sobre a qualidade das refeições, atendimento, tempo de espera, etc. A ideia é melhorar a comida e o serviço prestado, mas Filinto Lima também frisa que tem a sorte de no estabelecimento que dirige as refeições serem confecionadas por cozinheiras da casa e não por empresas externas.
As regras do referencial para uma alimentação saudável
A alimentação escolar é abordada nos currículos dos diferentes ciclos de ensino, desde o Estudo do Meio às Ciências da Natureza. No referencial para uma oferta alimentar saudável - um dos principais documentos para a educação alimentar em meio escolar, com a chancela do Ministério da Educação e da Direção-Geral da Saúde - refere-se, contudo, que é fundamental haver "coerência entre os princípios de alimentação racional contemplados no currículo, a oferta alimentar da escola e o modelo transmitido pelos adultos de referência (professores e auxiliares de ação educativa nas escolas e pais em casa)".

O Ministério da Educação e a DGS têm um referencial que estabelece os alimentos a disponibilizar pelas escolas.
© Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Géneros alimentícios a promover em contexto escolar:
• Leite meio-gordo/magro, simples ou aromatizado, sem adição de açúcar e leite escolar.
• Iogurtes e outros leites fermentados, sem adição de açúcar, meio-gordos/magros, dando preferência àqueles com menor teor em lípidos e edulcorantes.
• Batidos de leite com fruta fresca ou congelada, sem adição de açúcar.
• Sumos de fruta: naturais e/ou "100% sumo", sem açúcares e/ou edulcorantes adicionados.
• Bebidas que contenham pelo menos 50% de sumo de fruta e/ou vegetais sem açúcares e/ou edulcorantes adicionados.
• Água potável, da rede pública ou engarrafada.
• Diferentes tipos de pão, feito a partir de farinhas pouco refinadas, isto é, mais escuras e com pouco sal (ex: pão de mistura, pão de centeio, sêmea...), simples ou adicionado de queijo meio-gordo/pouco gordo/magro fresco, curado e fundido; ovo cozido; carne de aves e mamíferos (frango, peru, porco, vaca,...) cozidas ou assadas; atum ou outros peixes de conserva, preferencialmente conservado em água ou azeite; fiambre, preferencialmente de peru ou frango, escolhendo aqueles com baixo teor em lípidos e retirando sempre qualquer gordura visível. Enriquecido, sempre que possível, com produtos hortícolas (por exemplo: folhas de alface, de couve branca, cenoura ralada, rodelas de tomate, de pepino, raminhos de salsa, aipo, hortelã ou outros complementos como milho e cogumelos).
• Fruta fresca da época, em peça, em salada, ou ainda em batidos de leite (ex: laranja,tangerina, kiwi, maçã, pera, pêssego, morangos, cerejas, melão, meloa, melancia, banana).
• Produtos hortícolas diversos sob a forma de saladas, disponíveis em doses individuais (por exemplo: alface, tomate, cenoura, pepino, couve branca, ou ainda feijão, grão, nozes, avelãs, passas de uva).
Grupo de géneros alimentícios a limitar em contexto escolar:
• Bolachas/biscoitos, de preferência em doses individuais, com baixo teor em lípidos e açúcares (por exemplo: bolacha maria/torrada, biscoitos de milho, de aveia).
• Barritas de cereais, de preferência com baixo teor de açúcar, de lípidos, de sal e ricos em fibras.
• Bolos "à fatia", preferindo aqueles sem adição de gordura e com baixo teor de açúcar e com adição de leite, iogurte, fruta, especiarias, entre outros ingredientes (ex: bolo de iogurte, de ananás, de laranja, de maçã, tutti-frutti, de canela... - se possível confecionados na escola).
• Bolos com ou sem creme (inclui-se neste grupo bolo de arroz, croissant não folhado, queque, entre outros...).
• Manteiga.
• Cremes para barrar com baixo teor de lípidos.
• Marmelada e compotas com teores de fruta de pelo menos 50%.
• Gelados de leite e/ou fruta.
• Chocolates, preferindo aqueles com maior teor em cacau, sem recheios e em embalagens com um máximo de 50 g.
Géneros alimentícios a não disponibilizar em contexto escolar:
• Rissóis, croquetes, pastéis de bacalhau e produtos afins.
• Pastéis e bolos de massa folhados, frigideiras, chamuças e produtos afins, incluindo pré-congelados de massa folhada com elevados teores de lípidos e/ou açúcares.
• Chouriço, salsicha, fiambrino, mortadela, linguiça..., entre outros produtos de charcutaria ricos em lípidos e sal.
• Maionese, ketchup, condimentos de mostardas e outros molhos.
• Refrigerantes, incluindo bebidas com cola, ice tea e águas aromatizadas.
- Preparados de refrigerantes.
• Bebidas energéticas e bebidas desportivas.
• Gelados de água.
• Marmelada, geleias e compotas com teor de açúcares superior a 50%.
• Rebuçados, caramelos, chupas, pastilhas elásticas e gomas.
• Tiras de milho, batatas fritas, aperitivos e pipocas doces ou salgadas.
• Hambúrgueres, cachorros-quentes e pizas.
• Cerveja sem álcool.
• Chocolates em embalagens superiores a 50 g.