Como se preparou a rebelião (pacífica) em defesa da Terra junto ao Banco de Portugal

A Extinction Rebellion Portugal juntou-se à Greve Climática Global desta sexta-feira, numa ação de protesto pacífica que bloqueou ruas em frente ao Banco de Portugal. O DN assistiu à preparação desta ação, nos dias que a antecederam. Calma e boca calada enquanto a polícia te leva como um saco de batatas.
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Os ténis, sapatos, sandálias e chinelos ficam à entrada da sala, a cadeira é o chão, todos sentados formando uma roda, assistem à formação sobre desobediência civil, uma das formas é bloquear ruas e estradas. A ação de formação realizada a meio de setembro é uma iniciativa da Extinction Rebellion Portugal (XR Portugal), um movimento internacional e constituído no nosso país há um ano.

Um espanhol é o monitor, percebe-se que há muitos outros estrangeiros na sala do espaço Ágora Experimental, em Lisboa, onde se realiza a sessão, na maioria jovens. É um diálogo constante entre o formador e os formandos nas mais de três horas de formação. Começa-se por explicar o que é uma desobediência civil, ter a consciência de que o que estão a fazer é ilegal mas justo, agir respeitando o trabalho de quem representa o outro lado, nomeadamente os polícias.

Quem representa o protesto tem regras fundamentais: não responder a provocações, não falar e/ou oferecer resistência à polícia, garantir a sua segurança e a do grupo, saber gerar consenso e ser rápido a decidir. Isto porque sabem quando se inicia a ação de desobediência civil mas não sabem quando acaba, depende do que decidirem na altura e de acordo com os objetivos a alcançar.

Preparam com mais de uma semana de antecedência o bloqueio desta sexta-feira, o culminar das manifestações mundiais (ações previstas em 150 países) em favor do clima e que, em Portugal terminou com a Greve Climática Global. Pelo menos em 30 localidades portuguesas tiveram lugar manifestações em defesa do clima.

Em cada ação há um porta-voz diferente, isto porque não há chefes no coletivo, nem sequer Greta Thunberg, a jovem sueca na origem de toda a movimentação estudantil em prole do clima. "Acreditamos que Greta foi uma grande motivação, mas não existe liderança nem líderes".diz Noah Zino, o porta-voz do XR Portugal para esta ação. Também não há ideologia partidária: "Somos completamente apartidários, a política institucional falhou-nos".

São três as grandes reivindicações do Extinction Rebellion: declaração de emergência climática e ecológica; neutralidade carbónica até 2030 e parar a perda de biodiversidade; criação de assembleias de cidadãos.

Quem são estes novos rebeldes?

O XR promove a desobediência civil por não concordar com o que se passa em todo o mundo. São jovens na maioria, poderíamos chamá-los de novos hippies, lutam por causas ambientais e sociais, são pela não-violência. As ações de protesto assumem várias formas, por exemplo, interromper o discurso de um político ou entrar numa empresa que acusam de más práticas em prejuízo do clima. Bloqueiam estradas, acessos, seguindo-se, por vezes de um acampamento, estas últimas os protestos mais visíveis. O coletivo já promoveu dezenas em Portugal.

Querem passar uma mensagem de que estão em desacordo e acreditam no que defendem, alertar para o que está mal e envolver a sociedade civil nas suas campanhas. O bloqueio/acampamento tem vindo a ser anunciado, não só através das redes sociais, mas em atuações, como a que decorreu esta semana junto ao Padrão dos Descobrimentos, em Belém, a Red Rebel Brigade, que se pode ver neste vídeo.

Mas todas as ações são preparadas ao pormenor, há um manual de apoio a estas ações, sendo que a premissa é garantir a segurança do indivíduo e de todo o grupo. Uma ação é constituída por vários grupos de afinidade, em protestos pacíficos.

Um bloqueio da estrada é uma forma de desobediência civil pacífica, como a desta sexta-feira, à qual pode seguir-se um acampamento, dependendo do desenrolar dos acontecimentos. Tem de haver uma ala desimpedida para passarem ambulâncias e bombeiros. O bloqueio só deve terminar em três situações: já conseguiram passar a mensagem; está em causa a segurança dos manifestantes, a ação falhou o objetivo.

Informação que é prestada na sessão de formação, bem como a forma como os "alunos" se devem comportar quando o objetivo é interromper a circulação numa via, lugar, etc.

As posições da desobediência

Para o bloqueio há duas posições: "saco de batatas" (sentado no chão com os braços a agarrar as pernas) e "árvore" (de pé, com a cabeça virada para cima, isto para garantir a sua própria segurança). Quando a polícia intervém para levar o manifestante, este não oferece resistência, também não deve voltar ao mesmo lugar, seria provocação. A não ser que haja uma decisão coletiva nesse sentido posteriormente. E preparar-se para o pior, eis os avisos de quem já participou, em Portugal ou no estrangeiro: "os polícias estão a fazer o seu trabalho", há polícias maus e polícias bons", "os polícias não são meigos". Nunca falar com os agentes, podem queixar-se que estão a magoar, mas nunca aos gritos.

Usar roupa confortável, calçado fechado, é preferível não levar ou desligar o telemóvel, ter comida e água. Há pessoas do movimento na envolvente da ação, alguns deles filmam e tiram fotos, até para registar eventuais abusos por parte das forças policiais. Devem levar a identificação e há um número de telefone, fornecido à última hora, que devem escrever no braço para o caso de precisarem de ajuda jurídica. O movimento tem um grupo de juristas a que podem recorrer, nomeadamente em caso de uma detenção.

Grupos de afinidade

Uma das bases da organização destas ações reside nos grupos de afinidades, conjuntos que englobam entre quatro e dez pessoas, no máximo. O ideal é serem seis. Cada grupo deve zelar pelos seus membros e saber obter o consenso de forma rápida.

Existe uma checklist para os grupos de afinidade, com os requisitos que devem cumprir: escolher a designação do grupo; partilhar nomes completos, moradas, datas de nascimento e pessoas de contacto, para o caso de lesão ou detenção; falar sobre os objetivos, motivação, experiências anteriores e medos, como se comportam em situações específicas (tem necessidades especiais, o que temem; como reagir perante a polícia, uma detenção); fixar os buddies (parceiros); praticar as tomadas de decisão (acordar sinais, praticar decisões por consenso, por exemplo: 'durante o acampamento vamos dormir ou continuar na festa?'); delegar tarefas (quem será o delegado, quem tem telemóvel, quem deve manter a comunicação para fora, quem conhece a área, quem tem kit de primeiros socorros, água, etc); marcar hora e local para reunir depois da ação.

Em cada grupo é escolhido um delegado, que depois irá ao plenário de delegados. "É muito importantes ser claro, transparente, não ter medo de dizer que não concorda", explica o formador.

Como é que isso se faz? Por exemplo, decidir o local em que vão organizar o bloqueio ou, já na ação, quando este deve acabar. Tem de ser uma discussão rápida para chegar a uma proposta, que será votada: os quatro dedos da mão levantados significam um "sim" claro, três, um "sim", dois, um "sim " com dúvidas, um é "não". O objetivo é obter quatros e três levantados em cada membro, chegar a um consenso forte.

Podem estabelecer sinais visuais para acelerar a decisão: por exemplo, agitar as duas mãos no ar é sinal de concordância, um dedo para a frente e outro para trás significa que se quer trocar ideias.

O monitor dá os últimos conselhos para a ação desta sexta-feira: têm de estar conscientes que estão a fazer uma manifestação não autorizada, logo é ilegal, o que pode trazer consequências adversas. Não devem participar os chamados grupos de risco: imigrantes sem autorização de residência, quem não tenha o registo criminal limpo, menores não acompanhados e profissionais que não devam participar neste tipo de ações. O grupo tem ainda outras atividades a desenvolver na ação, além de bloquear a estrada.

Atualizado após a ação de protesto de sexta-feira, 27 de setembro

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