Como os portugueses bebem vinho: tinto e em companhia

Um estudo feito pela Universidade de Trás os Montes e a escola de gestão AESE sobre hábitos de consumo de vinho indica que a refeição à mesa continua a ser o momento preferencial para beber um copo de vinho... tinto. As mulheres decidem cada vez mais. Mas o conhecimento ainda deixa muito a desejar.
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Aquela cena dos filmes e séries americanas, da empresária de sucesso que chega a casa, abre a garrafa de vinho e bebe um copo no sofá, sozinha... é mesmo só nos filmes e séries americanas. Em Portugal, os portugueses preferem beber acompanhados - e raramente o fazem em solidão.

Esta é a conclusão de um estudo da Universidade de Trás os Montes e a escola de gestão AESE sobre hábitos de consumo de vinho que vai ser apresentado esta semana. Confirma-se o hábito apaziguante de associarmos o ato de consumo de vinho à companhia, ou partilha, em oposição de fase à prática solitária e fraturante de beber sozinho - mais frequente noutras paragens.

Segundo o estudo da AESE, 53% respondeu que nunca bebe sozinho, mesmo à refeição, e 72,41%, nem fora dela. E, na vertente da partilha, o modo casal ocupa destacado a liderança - 24,83%. Os casais - 45% afirma beber em casal mais do que uma vez por semana - gostam de beber um bom vinho quando vão a um restaurante. Este é um hábito cada vez mais frequente.

No inquérito, responderam pelo menos 1 vez por mês, 35,86%, e mais do que 3 vezes por mês, 31,03%, uma a duas vezes por semana, 27,59%. Os amigos são a segunda grande instância de partilha, resultado consensual para todos. Mas não há bela sem senão, e a cerveja, talvez pelo boom recente de títulos experimentais e artesanais, começou a roer a quota indefetível do vinho enquanto bebida de convívio.

A disponibilidade financeira para comer fora de casa é mais do dobro - chega a 2,5 vezes - , em relação à versão doméstica. Impulso de consumo que todos sentimos mas talvez não soubéssemos que era tão acentuado só pelo facto de estarmos a almoçar ou jantar sentados a uma mesa que não a nossa.

Este estudo está um pouco enviesado no que diz respeito às classes sociais, uma vez que foi realizado exclusivamente na comunidade de alumni - ex-alunos - dos programas pós-graduados PADE e MBA dos últimos cinco anos na AESE, ou seja, normalmente gestores e altos quadros de empresas. Mas revela tendências importantes do mercado português.

E se algumas são quase intuitivas, há outras que trazem surpresa. O consumo e apetência de vinho já não é composto apenas pelo dueto Douro e Alentejo. Duas outras regiões - Dão e Península de Setúbal - povoam agora as preferências. As cinco regiões vinícolas preferidas foram: a do Douro (37,67%), a do Alentejo (27,05%), a do Dão (9,93%), da Península de Setúbal (6,85%) e por último, a região do Vinho Verde (5,82%).

Talvez tenha chegado o momento do Dão, ainda comprimido no preço, quando a qualidade clama por mais, de forma inteiramente merecida. A cascaria e o peixe são seguramente a sustentação do crescendo de consumo dos vinhos da Península de Setúbal. Eminentemente salinos e atlânticos, glosam o oceano na forma líquida como lhes compete.

É bom, nesse sentido, que a comunidade da grande Lisboa lhes tenham franqueado as portas de casa e da garrafeira. A esmagadora maioria dos respondentes ao inquérito em causa habitam na Grande Lisboa. Não espanta por isso que a região vinícola de Lisboa tenha encabeçado a segunda coroa de preferências, tanto pela simpatia de marca como pela disponibilidade de castas Arinto, Viognier e Sauvignon Blanc, nas brancas, e Castelão e Cabernet Sauvignon nas tintas em vinhos de excelência a preços comportáveis.

As marcas preferidas

Já o destaque que se verifica dos vinhos da região do Vinho Verde surpreende um pouco, explicável de novo pela apetência marisqueira e de grelhados de peixe, bem como - importante sempre recordar - pela muito forte afluência turística. O Vinho Verde, brilhantemente coordenado por Manuel Pinheiro, presidente da CVR - Comissão Vitivinícola Regional - do Vinho Verde tem fortíssima embaixada pelo mundo fora e é todos os anos campeão de exportações. Trata-se de uma face visível e sensível do vinho português aos olhos do mundo que naturalmente quem nos visita procura quando por cá se senta à mesa.

É interessante, contudo, constatar que em termos de marcas, o Douro e o Alentejo continuem a pontificar. Foram cinco as mais votadas, três do Douro e duas do Alentejo. No primeiro caso Papa Figos (Sogrape), Duas Quintas (Ramos Pinto) e Barca Velha (Sogrape); no segundo Esporão e Cartuxa (Fundação Eugénio de Almeida). Aqui o relatório do estudo faz questão de sublinhar que "o resultado sobre notoriedade de marcas seria diferente se tivessem sido agregadas marcas, submarcas e gamas vinho".

Por detrás deste aspeto está a dualidade entre produtor e título que por exemplo nos casos das adegas cooperativas pode ser forte, assim como produtores como Real Companhia Velha que raramente são identificados, deixando a ribalta para as marcas com que laboram, como - mantendo o mesmo exemplo - Porca de Murça, Carvalhas ou Quinta de Cidrô. João Portugal Ramos (16,50%), Paulo Laureano (8,74%), Dirk Niepoort (7,77%) e finalmente, Luís Pato (6,80%) foram os enólogos mais referidos.

Impressiona, de qualquer forma, o conhecimento existente da oferta no mercado e do quanto entrou na esfera das preferências de consumo. Isto quando a "literacia vínica" é muito reduzida, outro aspeto revelado no estudo. Não chega a 5% a percentagem de respondentes que se consideram bons conhecedores na área do vinho. Parece por isso continuar a verificar-se uma força importante do marketing, campanhas e publicidade. As grandes superfícies perfilam-se por isso na linha da frente no momento da compra.
Homens na escolha, mulheres na decisão.

O peso e poder das mulheres

Outro dado importante: a proporção de cerca de 25% de mulheres respondentes que se deve associar-se a uma outra questão, bem conhecida dos gestores de hipermercados, de que são elas que detêm o poder de autorizar ou não a compra. No espaço do casal, há dois momentos no tocante ao vinho: o homem faz a validação do conteúdo e a escolha, enquanto cabe normalmente à mulher a decisão final da compra.

Este aspeto não consta especificamente do estudo mas está em consonância com o facto de cerca de 90% ser composto por casais, sensivelmente dois terços dos quais com filhos. Cerca de 50% revela ter rendimento familiar agregado acima de 5 mil euros por mês, aspeto distintivo do estudo, ou seja, indicando um consumo no segmento médio/alto. É aí que está o grosso da coluna dos frequentadores regulares de lojas gourmet e de produtos gastronómicos topo de gama.

O estudo foi concebido e concretizado pela The Médiathèque Learning Technologies com a colaboração de diversos membros da AESE Business School e do projeto denominado CV3, visando contribuir para a criação de valor no setor da vinha e do vinho. Foram utilizadas sete variáveis para fixar o perfil dos cerca de 160 respondentes validados por uma sequência de aspetos, relacionados com o conhecimento e o consumo regular de vinho, descartando os que não têm interesse específico no vinho nem consomem pelo menos uma vez por mês.

Apesar da formação pós-graduada da totalidade dos respondentes, parece existir ainda uma certa passividade, ou não-opção, quanto aos vinhos que especificamente os satisfazem mais. Nesse sentido, segue um pouco a regra vigente e aceite de que os coletivos e os fluxos principais determinam a escolha, mais do que as opções próprias.

Os três fatores referidos como principais influenciadores do preço que se está disposto a pagar por um vinho foram: a marca (26,40%), o produtor (21,96%) e a casta (18,00%). E é também curioso que o preço seja baixo, a maior parte das pessoas responde entre 5 e 9 euros para consumo habitual, e 10-19 euros em restaurantes e consumo de festa.

As disponibilidades financeiras dos que responderam, neste caso específico, fariam esperar um discernimento acrescido. O estudo concentrou-se na vertente de consumo, mas há a variante da compra para guardar em cave que não parece preocupar a comunidade enófila. A criação de valor por parte dos agentes económicos envolvidos na produção e negócio do vinho é determinante para o futuro de todo o setor, mas esse mesmo trabalho pode e deve ser valorizado pelo consumidor final na sua casa. O vinho pode ser também encarado como um ativo financeiro.

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