Bastonário: "Os médicos nunca foram tão desprezados por um ministro desde o 25 de Abril"
"Nós queremos ajudar o país. Não nos vamos calar e não nos vamos deixar enganar". A garantia é dada ao DN pelo bastonário da Ordem dos Médicos que convocou para dia 17 o Fórum Médico, plataforma que reúne todas as associações e estruturas médicas, para analisar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal, que "está numa situação limite", denuncia Miguel Guimarães.
O Fórum Médico acontece depois de os sindicatos admitirem avançar para uma greve após reunião com a ministra da Saúde, Marta Temido, na passada quarta-feira. No final do encontro anunciaram que iam pedir à Ordem dos Médicos a marcação do Fórum Médico uma vez que "o Ministério da Saúde parece querer empurrar os médicos para uma greve que não desejam".
Um momento "de crise" no setor que levou o bastonário a convocar a reunião de onde podem sair "recomendações" à tutela, "medidas a tomar no sentido de defender as reivindicações mais importantes que estas estruturas [médicas] considerem ser as essenciais".
O atual estado da saúde em Portugal vai estar em cima da mesa neste Fórum Médico que pode mesmo "definir um padrão de denuncia semanal" em relação a varias unidades de saúde, mas também instituir "declarações próprias para os médicos estarem defendidos e responsabilizar diretamente o Ministério da Saúde perante a justiça", especifica Miguel Guimarães. "Pode definir uma série de coisas mais importante do que greves", sublinha o bastonário.
As estruturas que representam os médicos, entre as quais os sindicatos, vão estabelecer, em conjunto, quais são as prioridades para o SNS e exigir que as mesmas sejam atendidas. "Se não forem atendidas vamos fazer uma grande campanha para denunciar a situação", avisa.
Para Miguel Guimarães as reivindicações da Ordem e de várias estruturas que representam os médicos não têm tido resposta da tutela. "Estou a falar do capital humano, das condições de trabalho, de propostas concretas que se fizeram para resolver o serviço de urgência, para capacitar mais o SNS, para os concursos, para uma série de matérias, incluindo o ato médico, que obrigatoriamente o governo devia definir", enumera. "A verdade é que é tudo ignorado. Nós temos de fazer alguma coisa, não para defender os médicos, mas para defender os doentes", considera.
O bastonário alerta para um Serviço Nacional de Saúde que está "numa situação limite", a ter cada vez menos capacidade de resposta, com as pessoas a terem mais dificuldades no acesso aos cuidados de saúde. "40% dos portugueses têm seguros privados de saúde. Isto é um sinal que a resposta do SNS está a cair. Está no limite", constata.
Uma situação preocupante, consequência da falta de investimento no serviço público nos últimos anos, diz. "Qualquer dia o SNS perde de forma irreversível as suas características genéticas, sendo que algumas já perdeu", lamenta, referindo-se à equidade no acesso aos cuidados de saúde. "Quem vive em Lisboa tem um acesso diferente de quem vive em Beja ou em Vila Real ou de quem vive na Madeira, Açores ou em Faro".
Para Miguel Guimarães, a dignidade - outras das "características genéticas como o doutor António Arnaut [identificado como o pai do SNS] gostava de chamar" - já está a ser colocada em causa em vários hospitais do país. E dá um exemplo. "Se for ao serviço de urgência de Vila Nova de Gaia [Centro Hospitalar Gaia/Espinho] há macas no meio do corredor, para se deslocar de um lado para o outro tem homens ao lado de mulheres... aquilo não cumpre os critérios de dignidade que são exigidos"
As deficiências do SNS são muitas e visíveis todos os dias por quem tem de recorrer e trabalhar nas unidades de saúde públicas nacionais. Passam, por exemplo, pela carência de capital humano. "Faltam, pelo menos, 5500 médicos no SNS, renovar imensos equipamentos, estruturas físicas", elenca Miguel Guimarães.
A ala pediatra do Centro Hospitalar de São João, no Porto, que funciona desde 2011 em contentores, reflete na prática essas carências do SNS. E não só, como denuncia o bastonário. "O serviço de urgência do hospital de São José não tem condições para ter lá doentes. As pessoas estão ali, às vezes, no meio dos corredores, o que separa os doentes é uma cortina mais ou menos transparente...", exemplifica.
"Neste momento, há muitos hospitais do pais que têm dificuldades. No Hospital de Faro, as pessoas estão amontoadas umas em cima das outras, não há espaço. O Algarve precisa com urgência de um novo hospital", acrescenta Miguel Guimarães.
Conta que recebe "quase todos os dias" queixas de médicos, muitas das quais estão relacionadas com o "burnout" destes profissionais de saúde, que estão em "sofrimento ético", lamenta.
"Estão a trabalhar em condições em que acham que a segurança clínica não é exatamente aquela que deveria ser", analisa Miguel Guimarães. Há muitas falhas no sistema que estão a obrigar estes profissionais de saúde "a trabalhar no limite" e com a "probabilidade maior de acontecer um evento adverso". "As coisas não podem continuar assim".
De acordo com o bastonário, as principais exigências que os médicos têm colocado à tutela "são para proteger os doentes, para termos uma medicina de melhor qualidade e mais segurança clínica". É nesse sentido que a Ordem reivindica a "abertura de concursos rápidos para reforçar o capital humano, a legislação do ato médico que protege os doentes", bem como o reforço da capacidade de resposta através de melhores estruturas e equipamentos".
Diz, no entanto, que os médicos estão a ser "completamente desprezados pela ministra da Saúde", Marta Temido. "Eu nunca vi grupos profissionais de saúde, sobretudo os médicos, a serem tão desprezados por um ministro da Saúde desde o 25 de Abril de 1974". Miguel Guimarães diz mesmo que a forma como a responsável pela tutela se refere aos médicos "tem sido indecorosa".