Alexa, a testemunha improvável de um crime

Uma coluna da Amazon, que é um complexo sistema de armazenamento de informação, pode ter gravado o som de um homicídio, nos Estados Unidos. Os <em>gadgets </em>estão a encolher o campo da privacidade, e as empresas tecnológicas guardam nuvens de intimidade.
Publicado a
Atualizado a

O caso pode entrar para a jurisprudência: um juiz, do estado norte-americano do New Hampshire, ordenou à Amazon que fornecesse as gravações feitas por um Echo - um eletrodoméstico com a aparência enganadora de uma coluna de som, que tem uma lista quase ilimitada de utilizações com o sistema Alexa. Uma dessas potencialidades é a gravação, por defeito, de conversas.

A gravação fica, imediatamente, disponível na "nuvem" onde a Amazon armazena a informação de cada um destes aparelhos. É precisamente essa a razão de ser da ordem do juiz: saber o que aconteceu numa cozinha onde terá acontecido um duplo homicídio, em Farmington, no ano passado.

O suspeito chama-se Timothy Verrill. Está acusado de ter assassinado Christine Sullivan e Jenna Pellegrini. Ele foi incriminado precisamente por um sistema de videovigilância, que o gravou com as duas mulheres, antes do crime.

Na cozinha, a polícia encontrou, e apreendeu a "testemunha" Alexa. Mas só com a decisão do juiz, tomada na passada sexta-feira, poderá ser conhecida a eventual gravação sonora.

Numa declaração enviada à Vox, a Amazon garante que não vai revelar "informação de clientes sem uma ordem judicial válida" e que "se opõe a pedidos impróprios e que extravasam os limites legais".

A questão mais importante é: o que pode ser gravado por um aparelho destes, sem que a gravação seja pedida pelos donos? A resposta é perturbadora: quase tudo.

A Vox lembra que uma conversa entre um casal, em Portland, foi gravada sem pedido e enviada para uma Terceira pessoa. A Amazon admite que o aparelho pode "interpretar mal" os comandos de voz e gravar sem que isso lhe seja pedido.

E isso é um ponto complicado. Se estes aparelhos gravam (e a empresa armazena) este tipo de informação, privada, qual vai ser o papel destes gadgets no futuro?

No ano passado, num julgamento no Arkansas, a gravação de um aparelho destes ilibou um suspeito de homicídio. Há poucos meses, uma Echo "decidiu" ligar para a polícia de Albuquerque durante uma agressão - o namorado gritou, enquanto agredia a namorada, "ligaste para a polícia?", e isso fez com que o aparelho, de facto, ligasse para a polícia.

Num trabalho sobre este último caso, o New York Times mostrou que os clientes destes serviços desconhecem a quantidade de informação privada que estes aparelhos recolhem.

No final, os servidores das grandes empresas tecnológicas estão cheios de pedaços do quotidiano íntimo de clientes do mundo inteiro. A privacidade diminui. É o preço a pagar por uma vida simplificada com objetos "inteligentes"? Ou um risco que corremos sem ​​​​​​saber?

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt