Valérius 360. Reciclagem vai valer até 15 milhões em três anos
A Valérius arranca, em outubro, com a sua nova fábrica de fiação de algodão reciclado a partir de desperdícios da indústria têxtil e do vestuário e de roupas, novas ou usadas, reintroduzidas no processo de fabrico. Um projeto de economia circular no qual está a investir 20 milhões de euros e que levou já à criação de uma marca específica, a Valérius 360, que está em fase de registo internacional. O objetivo é que esta nova área de negócios venha a valer, no espaço de três anos, entre 10 a 15 milhões de euros. No imediato cria 80 novos postos de trabalho.
Essa é a convicção de José Manuel Vilas Boas Ferreira, presidente da empresa de Barcelos, e que tem, ainda, negócios no segmento dos componentes para a indústria automóvel, do papel (Ambar) e do calçado (Camport). A produção de fio a partir da reciclagem de peças de vestuário já existentes surgiu a partir de um desafio que lhe foi lançado por um cliente inglês em 2015. Ex-jogador de rugby, o empresário quis triturar as peças que haviam sido usadas num jogo mítico para lhes dar uma nova vida. Os primeiros resultados foram desanimadores. “Era um produto de fraca qualidade, muito áspero, não era 'usável'”, garante o presidente da Valérius.
Mas José Manuel Ferreira viu nisso uma oportunidade e criou uma equipa específica para estudar a melhoria de processos. E qual não foi o seu espanto quando se apercebeu da imensidão de desperdícios da ITV. “Estivemos um ano a estudar o mercado europeu e a tentar perceber a mais valia de um processo de reciclagem para os nossos clientes e percebemos que estes tinham mais de 150 mil metros quadrados ocupados com produtos armazenados, sem qualquer uso”, explica. A estratégia passou por contactar os seus clientes – o projeto está limitado à Europa – e perceber “como os poderíamos ajudar a resolver este problema”.
O objetivo é, no imediato, incorporar 50% de matéria-prima reciclada nos fios e tecidos da Valérius 360, mas a intenção é ir aumentando essa percentagem. E José Manuel Ferreira acredita que estes novos produtos irão ter, em 2022, valer cerca de 30% de tudo o que for produzido no grupo. “Há quem nos chame loucos, mas espero que dentro de 10 anos haja mais 10 empresas a fazer o mesmo. O futuro passa por aí”, acredita. E explica: “Diz-se que a indústria têxtil é a terceira ou quarta mais poluente do mundo. O que é certo é que as empresas não vão poder continuar a fazer a mesma gestão de materiais e matérias-primas que fazem hoje. A Inglaterra manda um camião de roupa a cada minuto para aterro e a França já anunciou que, a partir de 2021, vai proibir a destruição de roupa por queima”.
E quanto vão custar os produtos da Valérius 360? “Não vamos ser mais baratos que um produto novo. No futuro a conta nem sequer será essa, mas sim que taxas é que os produtos que não forem recuperados e reciclados vão pagar para aceder ao mercado”, considera o gestor, que defende estar-se perante uma “mudança de paradigma total”. José Manuel Ferreira acredita mesmo que o consumidor estará disponível para pagar a diferença, embora admita que grande parte desses custo acabe por ser suportado pelo próprio orçamento de marketing das marcas. “A preocupação com o ambiente tornou-se viral. Quem não a tiver, não tem futuro porque os consumidores sentem-se defraudados”.
A nova fábrica vai precisar de 20 toneladas de matérias-primas diárias para trabalhar. Metade, para já, será de produtos reciclados e a outra de algodão em rama virgem. As sobras do corte da própria Valérius e os restos das suas coleções vão entrar nesta contabilidade, bem como de outras empresas do sector. Quanto vão pagar por esses desperdícios? “Não vamos, virá tudo a custo zero. Estamos a ajudar a resolver um problema, designadamente de armazenamento, que fica caro. E é uma questão até de credibilidade para as próprias marcas. Há clientes com milhares de peças contrafeitas retidas e que pretendem ver-se livres delas. Aqui, o produto entra, é destruído e sai matéria-prima nova”, refere José Manuel Ferreira. O objetivo é, também, conseguir mobilizar os consumidores a entregarem as roupas velhas sempre que compram novas.
Com os seus desperdícios e os de grandes marcas internacionais que já aceitaram associar-se a este projeto, a Valérius 360 tem 70% das suas necessidades asseguradas. Falta-lhe agora assegurar os restantes 30% para a produção, a partir do próximo ano, de papel-algodão destinado ao fabrico de sacos e embalagens amigas do ambiente para o comércio online, mas, também, para servir a própria Ambar.
Com 140 trabalhadores, a Valérius faturou, o ano passado, 32 milhões de euros, exportando praticamente tudo para 48 países. A Europa vale 70 a 75% das suas vendas. A nova fábrica vai dar emprego a 80 pessoas numa primeira fase. Só vai reciclar algodão e fibras celulósicas – nada de poliéster, garante – e funcionará numa lógica chave na mão, cabendo ao cliente escolher fios mais ou menos tingidos e com o recurso a tintos mais ou menos poluentes. E a empresa até investiu num sistema informático que mede a pega ecológica de cada peça.