Vale a pena "chumbar"?

Embora as taxas de retenção tenham diminuído nas últimas décadas, todos os anos ainda há alunos que "chumbam". As vantagens e desvantagens de repetir um ano e os impactos no futuro da aprendizagem estiveram em debate.
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Optar por reter um aluno que não atingiu os objetivos de aprendizagem pode ter impactos positivos no seu percurso escolar. Contudo, como alerta o investigador Pedro Freitas no episódio desta semana do Educar tem Ciência, projeto da Iniciativa Educação, em parceria com a TSF e o Dinheiro Vivo, esses impactos positivos são maiores no início do percurso escolar e tendem a ter efeitos mais fortes no curto prazo. E está também provado que programas de retenção que incluem uma forte estratégia de recuperação dos alunos têm mais resultados. "O que significa que a escola deve ter condições para o fazer e nós devemos ter condições para avaliar o seu trabalho", defende Pedro Freitas.

Em pouco menos de 30 anos, as taxas de retenção e desistência dos alunos portugueses caíram para um terço. "Em 1995 tínhamos cerca de 17% de desistência e retenção no terceiro ciclo do ensino básico, em 2022 tínhamos 4,5%", recorda Pedro Freitas, que refere também a descida verificada no ensino secundário que, dos 21% de retenção em 1995 - e depois de uma escalada até aos 40% - para os atuais 9%. Para o investigador, isto explica-se tanto pela maior escolarização dos pais, pela frequência do ensino pré-escolar pelas crianças e ainda pelo abandono da prática da retenção por algumas escolas. "A discussão passa por saber se abandonar a retenção como prática é bom ou não", diz.

Durante os anos de 1990, em Chicago, nos Estados Unidos, houve uma mudança de política de ensino de acordo com a qual os alunos que não atingissem um determinado patamar deveriam frequentar uma "escola de verão", sendo depois avaliados. "Os que tinham uma nota acima de um determinado patamar passavam e os outros ficavam retidos. Mas os alunos que estão um bocadinho acima e um bocadinho abaixo deste patamar não são assim tão diferentes", afirma o investigador. Um estudo acompanhou cerca de 30 mil alunos no terceiro ano e 21 mil alunos no sexto ano, e analisou os resultados dos que transitaram e não transitaram. As conclusões evidenciaram um maior impacto junto dos alunos do terceiro ano, que tinham maior sucesso escolar depois de ficarem retidos, e um impacto praticamente nulo no sexto ano.

Outro estudo, feito na Florida entre 2000 e 2012, com alunos de oitavo ano que foram alvo de medidas de recuperação depois de ficarem retidos, mostrou resultados tanto no curto como no longo prazo. "Estes alunos tornaram-se melhores devido à retenção e, mais à frente, tiveram menos dificuldades no seu percurso escolar", conta Pedro Freitas, para quem não é líquido que "chumbar" seja sempre um "mal necessário". "Depende de olharmos para resultados de curto ou de longo prazo e depende, sobretudo, do apoio que dermos a estes alunos. Os alunos não devem passar sem ter os seus conhecimentos solidificados mas, se ficarem retidos, que apoios a escola é capaz de dar para os recuperar?", questiona.

Em Portugal, um estudo da Universidade Católica com alunos do ensino secundário mostra resultados diversos. Os investigadores concluíram que embora a retenção tenha efeitos positivos ao nível da aprendizagem, conduz a uma maior probabilidade de desistência dos alunos (sobretudo nos rapazes) e que foram os alunos que vinham com maiores dificuldades do nono ano que mais beneficiaram, em termos de potencial de ganho na aprendizagem. O que leva Pedro Freitas a concluir que "os ganhos são muito heterogéneos" e é necessário mais conhecimento sobre o tema.

"Temos de pensar se temos os mecanismos dentro do sistema que nos permitam sinalizar os alunos quando começam a ter as primeiras dificuldades. Havendo essa sinalização é essencial que esses alunos sejam acompanhados antes de ficarem retidos. E, quando falamos de retenção, que seja uma retenção combinada com medidas de apoio para que os alunos possam recuperar", defende o investigador.

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