Um Orçamento incerto
A morte e os impostos são certos, mas não o são, nem as opções nem a execução da proposta de Orçamento do Estado para este ano.
Primeiro, porque não é certo se terá a concordância da Comissão, se cumprirá as metas orçamentais ou sequer manterá a convicção externa da viabilidade dessa meta. Isto por assentar em pressupostos mais favoráveis do que os previstos pelas demais instituições e levar a um aumento, certo, de despesa pública, graças a um aumento, incerto, das receitas.
Depois, porque a receita fiscal terá de continuar a superar as crescentes fadiga e irritabilidade fiscais, acentuada pela hiper progressividade da tributação das famílias, pela descida da dedução por filho (IRS) e pela concentração das baterias fiscais nos combustíveis, no tabaco e nas bebidas alcoólicas (com desvio de comércio na fronteira), bem como nos veículos automóveis e na banca.
Em terceiro, por acentuar o peso da tributação indireta (consumo) face à direta (rendimentos), mas sem acarinhar o investimento. Este será fustigado pela incerteza decorrente da inflexão nas reformas do IRC e do IRS, do aumento da tributação dos combustíveis - que penaliza as empresas -, do aumento da tributação na banca e da incidência de selo nos suprimentos de sócios com menos de 10% de participação.
Em quarto lugar, surpreendentemente, são aumentados tributos que não estimulam a procura interna, como o a tributação do crédito ao consumo, dos combustíveis e dos encargos de cartões de crédito e débito. Se estes promoverão a redução do endividamento das famílias e das importações, não estimularão porém o consumo interno.
Há ainda uma quinta incerteza: o aumento da conflitualidade fiscal, dada a profusão de normas “interpretativas”, que poderão ser apenas “retroativas” e, portanto, ilegais. E também pela relevância atribuída à qualificação de certos bens e serviços para determinar a taxa de IVA, como sucederá com o conceito de “pão” ou de “serviço” de fornecimento de certas “bebidas”.
Em seguida, a contra reforma no IRC (prejuízos fiscais, participation exemption, patent box e manutenção da taxa), é o inverso daquilo que investidores mais valorizam: a previsibilidade das políticas fiscais. E essa imprevisibilidade decorre também da “tributação-surpresa”, em três anos e a começar já em julho, dos resultados suspensos de tributação desde 2000, pela aplicação da, então revogada, tributação dos grupos pelo lucro consolidado.
Por último, a grande dúvida: a condicionalidade externa (os nossos credores) e interna (a maioria necessária à aprovação), conduzirão a alterações relevantes na discussão na especialidade? Ou a evolução das receitas e das despesas exigirá novo aumento dos impostos nucleares (IVA e IRS), para reequilibrar a execução orçamental? Esperemos que não, pois o aumento da receita fiscal é cada vez mais incerto e pernicioso.
*Líder do departamento fiscal da PwC