Viagem
Credo, vais a Lisboa e pões-te a comer no McDonalds?! Que horror!", disse a mais alta.
Ali estava a minha crónica.
Eu tinha parado em Angra, para tomar um café, e sentara--me à espera. Dois homens engravatados falavam de negócios, três velhos sem nada para dizer uns aos outros faziam-se companhia. Nenhuma ideia.
Até que chegaram as duas mulheres. E disse a alta: "Por mim, não vou a Lisboa para andar nessas porcarias tipo McDonald"s. Nunca comeste no Ikea?"
Eu já as tinha marcado. Haviam parado na tabacaria, a ver as revistas, e uma delas gabara--se do seu mau feitio. Dissera-o assim, como um elogio: "Eu tenho muito mau feitio!" Falavam das viagens à capital e tentavam distinguir-se uma da outra explicando como impunham as vontades aos maridos.
Tive logo esperança.
Até que se sentaram no café também, e traziam o seu pequeno número. A certa altura já nos entreolhávamos, os homens, ponderando as pontuações a atribuir. A baixa conhecia mais lojas de Lisboa, mas a alta conhecia aquilo tudo. A alta ia a Lisboa todos os anos, mas a baixa ia pelo menos duas vezes. Empate certo. O McDonald"s foi a bomba atómica - estava encontrada a vencedora.
É um dos mecanismos de autovalidação mais comuns na província: provar que se conhece melhor Lisboa do que o próximo - que nos sentimos lá mais em casa, que vamos lá mais vezes, que dominamos melhor a cena. O que seria tristonho se, em Lisboa, um dos mecanismos de autovalidação mais comuns não fosse o de encontrar quem conhece melhor, se sente mais em casa e domina melhor a cena de Nova Iorque.
Ou de Phuket. Ou de Punta Cana.
Somos assim, e não é deplorável. Apenas nos esquecemos do ensinamento de Chatwin: maior sedentário é o nómada, que até ao fim procura uma casa. O resto é só economia.