Testemunhos
"Tomara a gente ir de férias"
Manuel Benjamim acabou de ficar desempregado. Deslocou-se ao centro de emprego para tratar dos papéis para que o fundo de desemprego venha "tão depressa quanto possível". Operário da construção civil , Manuel Benjamim esteve a trabalhar em Espanha durante seis meses, mas acabou por ficar sem emprego e regressou a Portugal. "A situação não está nada fácil em Espanha, está mesmo muito precária". Quanto a férias, Manuel Benjamim sorri meio à socapa e diz: "Depende de como as coisas correrem daqui em diante. Se houver trabalho, trabalha-se, se não houver, tira-se férias." Mas esta noção de férias forçadas é bastante diferente das férias da maioria dos portugueses. É que, quando questionado se vai para fora, o operário recém--chegado de Espanha reage prontamente: "Pra fora? Claro que não. Ficamos por cá, claro. Então, se isto está mau, como é que podemos ir para fora?" E logo em seguida atira, em jeito de despedida: "Tomara a gente ir de férias."
"Férias? Quais férias?"
Luís Oliveira é também operário da construção civil e trabalhava com Manuel Benjamim na mesma firma em Espanha. Acabou de ficar igualmente desempregado, ao fim de seis meses ao serviço daquela empresa e, por isso, deslocou-se ao centro para "meter os papéis para saber se tenho direito ao fundo de desemprego". Luís trabalhou desde sempre na construção civil, mas era a primeira vez que prestava serviço para esta firma, que se dedica ao restauro de supermercados e que, durante seis meses, o levou para Espanha. País para onde se deslocaram muitos milhares de trabalhadores da construção civil em busca de melhores condições de vida mas que acabaram a sofrer os resultados da maior crise de que há memória do sector em Espanha. Luís Oliveira tenciona aproveitar o período estival para "ver se aparecem uns biscates, alguma coisa" que ajude a equilibrar o magro orçamento familiar. Férias é que nem pensar. "Férias? Quais férias? Isto está mau. Não dá nem para pensar nisso", replica.
"Vou de marmita para o rio?"
De olhos postos no vidro, José Martinho percorre os anúncios que conhece de cor e salteado. O desemprego bateu-lhe à porta há dois anos e meio e todos os dias se levanta bem cedo para procurar trabalho. A rotina é sempre a mesma. Passa pelo centro de emprego e vê os anúncios afixados, vai à Cruz Vermelha na esperança de aí encontrar alguma coisa e depois passa à fase dos telefonemas. Tudo corre bem até ao momento em que lhe perguntam a idade: 46! Ah, muito bem, ficamos com o contacto, depois dizemos alguma coisa... "Pensam que sou velho e ninguém me dá emprego, já não sei o que fazer. Só no mês passado fui a 23 entrevistas, gasta-se dinheiro nos transportes para nada", diz. Com um filho com 11 anos e contas para pagar, a esperança começa a desvanecer. E lamenta que o Governo não atribua um subsídio de férias e de Natal aos desempregados, à semelhança do que é pago aos reformados. Férias, não tira. "Para quê, se não tenho dinheiro? Vou de marmita para a beira-rio?", ironiza.
"Ou perco o que paguei ou vou"
António Torres deslocava-se, pela segunda vez na sua vida, ao centro de emprego para se inscrever. "Em 1995, quando procurava o primeiro emprego, estive aqui duas horas e saí de cá com um emprego entre três possibilidades de escolha. Hoje estou cá desde as 09.00, isto está cheio de gente para se inscrever, não tenho previsão de conseguir ir embora antes das 14.30 e não acredito que saia com emprego algum", explicou ao DN. Este gestor industrial, de 32 anos, foi vítima da reestruturação industrial da empresa onde trabalhava, na Maia, embora reconheça que teve "algum interesse em sair" porque as perspectivas não eram muito animadoras". "Achei que não devia investir mais ali", sublinha. António Torres tem "alguns contactos" no meio e vai tentar arranjar trabalho. "Quanto mais rápido sair desta situação, melhor", salienta. As férias já estavam marcadas e agora depara-se com uma situação difícil. "Só tenho duas alternativas. Ou perco o que já paguei ou pago o resto e vou de férias. Em princípio vou", diz.