Tauromaquia

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Digo "a tauromaquia não é toda igual" e preparo-me para os protestos. Mas, de facto, não é. Na verdade, tourada à corda e tourada de praça são tão distintas que nem deveriam ter os mesmos adeptos.

E, se calhar, não têm.

Durante anos, ergui-me em defesa da corrida à portuguesa, mesmo não sendo um aficionado. Tradição e identidade pareciam-me primas direitas. Hoje, não me passa pela cabeça aplaudir o massacre de um toiro, embora continue a encontrar galhardia numa pega de caras.

Não é só com toiros, este novo prurido. Ainda ontem, quando íamos a percorrer as Veredas, o Melville atirou-se tão de rompante a um canário que já não fui a tempo de contê-lo. O pássaro cambaleou, ensaiou uma descolagem e foi morrer a uns arbustos, e de repente apoderou-se de mim uma dor que noutro tempo desconheci, mas que nos últimos anos se me tornou familiar.

Ensinou-ma o meu cão, exactamente. O mesmo que ontem matou um canário-da-terra.

Quanto à tourada à corda terceirense, faz-se sem recurso a ferros, bandarilhas ou instrumentos de agressão. O animal é preso a uma trela e passeado estrada fora.

O alcatrão não será o melhor piso para a sua biomecânica. Mas, no fim, é ele quem mais se diverte, ceifando bêbedos e debruçando-se às varandas.

Depois, volta ao pasto. Tem por sua conta prados imensos, que percorre com placidez. Atravessa os caminhos de bagacina.

Passeia-se entre a laurissilva.

Não há, nas nove ilhas dos Açores como na província portuguesa em geral, muitas regiões tão magnificamente preservadas como o interior da Terceira. Esse milagre tem uma só origem: o toiro é o seu guardião.

Foi em resultado dele que a paisagem resistiu. E também foi em resultado dela que ele nunca se transformou em gado de corte, ou simplesmente desapareceu.

Eu vejo nisto uma beleza. E uma justiça.

neto.joel@gmail.com

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.

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