Tabagismo
O Governo relançou, esta semana, o objectivo de introduzir legislação draconiana relativa ao fumo em lugares públicos. Os dilemas colocados por este tipo de situação são conhecidos. Tem o Governo o direito a dirigir as escolhas dos cidadãos em matérias privadas como esta? Têm os fumadores o direito a prejudicar a saúde dos não fumadores?
A evolução deste debate nas sociedades contemporâneas tem favorecido claramente as medidas restritivas ao consumo de tabaco em locais públicos fechados. Vão longe os tempos em que olhávamos as imagens de norte-americanos a fumar na rua com neve a cair ao mesmo tempo e exclamávamos, indignados: "São uns fundamentalistas!"
Quem passou a conviver diariamente com situações de restrição ao consumo de tabaco, no trabalho ou nos transportes públicos, constatou que a capacidade de adaptação das pessoas a essas situações é maior do que se pensa e ainda que os fumadores, tanto quanto me diz a experiência, são em geral minoritários.
Espaços dignos reservados a quem fuma resolvem o problema, evitando nomeadamente as estigmatizações absurdas que atingem os fumadores: legislar sobre o uso comum de espaços públicos não é o mesmo que condenar o direito de fumar.
Nesse sentido, as medidas defendidas pelo Governo são no geral positivas: neste conflito de direitos, o do fumador passivo é mais relevante do que a liberdade individual do fumador. Mas essa aplicação geral não precisa de ser draconiana, a nível particular. Os restaurantes ou bares que assim o entendam devem poder continuar abertos aos fumadores, com um mínimo de restrições. Aí, serão os clientes a decidir. O mesmo não se aplica a espaços como hospitais ou escolas.
Portugal parece estar a aproximar-se da tendência europeia para aumentar as restrições ao tabaco. Essa tendência reflecte uma contradição das sociedades modernas, que se verifica também em relação à obesidade e a outras questões relativas à saúde. Por um lado, existe uma enorme pressão comercial e publicitária no sentido do consumo. Por outro, verifica-se uma enorme mobilização social e política contra os efeitos de produtos cujo consumo é fortemente mediatizado. E, finalmente, há uma indústria para deixar de fumar ou parar de engordar. Estamos, de algum modo, a curar mais os sintomas do que a doença. Mas em sociedades democráticas é tudo o que se pode fazer.