Serralves
As caixas de madeira vazias que se acumulam no cais de carga denunciam a azáfama das últimas semanas. As maquetas, esquissos e desenhos de Álvaro Siza ocupam agora as galerias, os trabalhos de João Penalva aguardam vez de partir. Entre o portão por onde entram os camiões e o largo corredor climatizado com saídas para as galerias, há alcatifas e rolos de papel e plástico, carrinhos de transporte e obras de arte em trânsito. Passados quase seis anos, o espaço das reservas do Museu de Arte Contemporânea de Serralves já não chega. E a construção de um novo edifício - que a Câmara Municipal de Matosinhos quer ver no seu concelho - é uma solução em análise.
"As reservas estão a ficar completamente cheias com a nossa colecção e as colecções em depósito, do Ministério da Cultura, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Banco Privado Português ou coleccionadores particulares", começa por explicar ao DN João Fernandes, director do museu. Com cerca de 3000 obras à sua guarda (mais de 1150 de aquisições próprias e doações) e um orçamento anual de um milhão de euros para gastar em compras (50% dos quais provenientes do Estado, 30% suportados pela Fundação de Serralves e 20% pela autarquia portuense), Serralves tem mesmo um problema entre mãos.
Segundo o director, "a ideia mais forte é procurar construir um novo espaço, que também ofereça um conjunto de serviços a coleccionadores, a nível de guardaria, com condições de segurança máxima, preservação, catalogação e fotografia". Mas não está arredada a hipótese de se alugar um armazém a uma das empresas especializadas em transportes de obras de arte, infra-estruturas adequadas mas habitualmente usadas a curto prazo.
soluções em estudo. A autarquia de Matosinhos, como tem sido noticiado, tenta puxar a si um futuro pólo de Serralves que além das reservas contemple galerias de exposições. A edificar junto à Circunvalação, a dois passos do Parque da Cidade, numa zona agora ocupada por gasolineiras. João Fernandes, que "ignora" se há outros municípios interessados e a quem agrada a acessibilidade e a proximidade deste terreno com Serralves, confirma os "contactos prévios". É cauteloso "Não posso garantir que o vamos fazer." "O processo está ainda na fase de intenção", diz, e primeiro há que "proceder ao estudo das medidas necessárias, nomeadamente financeiras".
Tudo está por definir. Como o eventual protocolo a estabelecer com o município dirigido por Narciso Miranda (que este já deu como certo para daqui a dois meses). O arquitecto a convidar. Os metros quadrados indispensáveis a "uma solução a, pelo menos, 15 anos". Ou até a abertura do novo edifício à chamada "sociedade civil", para que o aluguer de reservas e serviços ajudasse a contrabalançar despesas. "Pelos recursos próprios, a fundação não teria condições para gerir esse espaço", assegura.
"Estão a surgir colecções de arte contemporânea que ultrapassam a dimensão da casa dos coleccionadores. Se tivermos condições para o lançar, este projecto vai ao encontro das necessidades existentes em Portugal", argumenta João Fernandes, acrescentando que, por Espanha ter o mesmo problema, a nível particular e institucional, estuda-se também a "angariação de clientes" no país vizinho.
"risco calculado". Mas como é que um museu edificado de raiz e inaugurado em Junho de 1999 já não tem espaço para armazenamento, pergunta-se? "O projecto inicial do arquitecto Álvaro Siza previa uma sala no piso de baixo do museu e outra grande sala para reservas. Quando [o anterior director] Vicente Todolí e eu chegámos aqui, pedimos-lhe para prescindir dessa reserva, para fazer mais uma área de exposições", responde João Fernandes, referindo--se a um espaço com cerca de 400 metros quadrados. A aposta era, então, construir a identidade do museu e afirmá-lo, pela sua oferta, no panorama nacional e internacional. "Foi um risco calculado que assumimos, sem imaginarmos que nos depararíamos com o problema cinco anos depois", admite agora.
Fora de questão está a construção de um edifício anexo. Mesmo com um parque de 18 hectares, "seria gravoso para a identidade e o património de Serralves utilizar terreno da fundação", considera João Fernandes, recordando a polémica suscitada aquando da decisão de implantar o museu de Siza numa horta. E a importância da quinta e do bosque adjacentes na história de Serralves e nas actividades que organiza. Quanto a levar parte das reservas para longe das galerias, argumenta que não é caso inédito. Stedelijk, Louvre, Pompidou, Tate ou MoMA são alguns dos grandes museus que enfrentam situação idêntica e conservam as colecções noutro lado.
o estado das coisas. Porque, por imperativos de segurança, "de reservas, quanto menos se falar melhor", João Fernandes apenas permitiu que o DN visitasse o cais de carga e descarga e uma sala de reservas da pintura - há outra para o mesmo efeito, uma para escultura e duas para obras em papel.
Franqueadas as portas blindadas deste mundo a que poucos têm acesso, percebe-se a dimensão do problema. Se no cais de carga, com a sua enorme plataforma elevatória e altíssimo pé-direito, as caixas ocupam quase todo o espaço visual, na sala da pintura já não cabe mais nada. Por detrás do carrinho pronto a levar obras de João Penalva, as grades deslizantes estão cheias de quadros. António Sena, Jorge Pinheiro e Paula Rego deste lado; do outro, Pedro Portugal e um Helmut Dorner de aquisição recente. Identificados, no topo de cada grelha, apenas pelo número de inventário, porque os registos estão todos informatizados (e com novo software em breve).
A segurança é apertada, os extintores e sistemas de incêndio estão onde devem estar, a temperatura e humidade respeitam todas as normas museológicas. Mas "a sala de escultura está a abarrotar de caixas", conta João Fernandes, e também já é preciso "mais área para armazenar papel, espaço para mais grades de pintura e criar uma reserva para negativos de fotografia (que necessitam de temperatura diferente da das impressões em papel)". "As salas de reservas são boas em termos de qualidade, mas o espaço chegou ao limite."
Entretanto, graças aos protocolos, Serralves tem parte da sua colecção a circular, a uma média de seis exposições por ano. A próxima será em Coimbra, em Julho, no Pavilhão Centro de Portugal. Em Bragança, haverá peças deste museu no futuro Centro de Arte Contemporânea projectado por Souto de Moura. E o mesmo sucederá no antigo centro de engarrafamento de Vidago, cuja reconversão está a ser coordenada por Álvaro Siza. "Serralves não quer ser um micro-Guggenheim à escala portuguesa", diz a sorrir o director, "mas a colecção deve circular e contribuir para aumentar a compreensão da arte contemporânea em Portugal".