Seguros de saúde

<p>Há muitas alternativas no mercado de seguros de saúde que as companhias privadas têm explorado bem. Os titulares de uma apólice em Portugal somam cerca de dois milhões e não apresentam muitas queixas. Mas os clientes têm pouca protecção em caso de conflito com as seguradoras e arriscam-se a ficar sem seguro quando chegam à idade mais propícia a doenças. Os seguros vitalícios (ainda) são uma miragem.</p> <p> </p>
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No mercado português existem seguramente mais de uma centena de diferentes planos de saúde privados, propostos pelas companhias de seguros, vendidos aos balcões dos bancos ou através da internet. São produtos que diferem muito entre si, nas coberturas e garantias, para irem de encontro às capacidades financeiras de cada cliente. Para um casal de meia-idade e com um ou dois filhos, tanto podem custar cerca de dois mil ou dez mil euros por ano, consoante os capitais e modalidades escolhidas.
À medida que a idade dos beneficiários aumenta, os custos das anuidades também disparam. Pena é que quando os utentes se aproximam do Outono da vida as seguradoras já não lhes renovam os contratos existentes e não fazem seguros novos ou o seu preço é proibitivo. Nessa altura, pode dizer-se que as companhias fogem da doença dos segurados, dada a sua elevada probabilidade e os custos inerentes para enfrentá-la.
Curiosamente, as queixas que dão entrada no Instituto de Seguros de Portugal (ISP) ou são comunicadas à Deco-Proteste por este ou outros motivos relacionados com seguros de saúde, não vão além de algumas, poucas, centenas por ano. Assim, parece imperar elevada satisfação nos cerca de dois milhões de beneficiários. Mas alguns responsáveis da associação de defesa dos consumidores, ouvidos pela nm, não concordam e apontam as principais lacunas ou defeitos desses produtos.

Adesões sempre a crescerem
Apresentados muitas vezes como uma boa alternativa ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), os seguros de saúde têm conquistado paulatinamente a confiança de milhares de portugueses. Já abrangem cerca de um quinto da população e registam cada vez mais adesões, principalmente no grupo de maiores recursos económicos. Na última década, o número de beneficiários subiu ao ritmo de cerca de dez por cento ao ano.
Estes números são promissores, principalmente para as companhias de seguros, que tentam prestar um serviço melhor do que a rede pública mas também colhem uma boa facturação. Demonstram igualmente o interesse crescente dos utentes, cansados e descrentes em relação ao ineficiente e insuficiente SNS – mais acessível mas onde a falta de organização e comunicação das instituições, aliada à demora e à baixa eficiência da prestação dos cuidados, deixam muito a desejar.
Contudo, sabe-se, os seguros não são acessíveis a toda a gente. Porque implicam mais uma despesa mensal que a maioria das famílias portuguesas não consegue suportar, porque são de difícil comparação entre si (são tantas as hipóteses e os planos de saúde possíveis, mesmo os propostos pela mesma companhia de seguros, dependendo das coberturas desejadas pelo cliente) e porque podem ser resolvidos (cancelados) pela seguradora no final de cada anuidade (particularmente quando os beneficiários atingem os 60 ou 65 anos), tudo isto retira-lhes a propalada capacidade de se afirmarem como um sólido pilar privado, capaz de substituir futuramente o sistema de previdência público.
Não fosse o facto de haver tantas e tão diversas opções no mercado segurador quanto a planos de saúde, e respectivos custos, e talvez nos atrevêssemos a sugerir alguns. Assim, não vamos sequer fazer comparações mas alertar para alguns aspectos a ter em conta antes da contratação de qualquer plano. Porque o preço nem sempre é tudo.

O seguro morreu de velho?
Vejamos agora uma velha questão: se é jovem e pensa que pode subscrever um plano de saúde e ficar protegido relativamente a qualquer doença que lhe surja até ao fim da vida, tire o cavalo da chuva. Porque os contratos estão sujeitos a renovação anual, pelo que o cliente pode desvincular-se dele no final de cada anuidade. Atenção, mas a seguradora também. E isso é bom ou mau? Depende do ponto de vista. Mas certamente não será agradável, para um utente que teve o azar de contrair uma doença que implica tratamentos prolongados e dispendiosos, saber que a sua seguradora pode, se quiser, unilateralmente cancelar o seu plano de saúde, antes da renovação da próxima anuidade. O mesmo pode afirmar-se do beneficiário, calejado e maduro, que vê aproximar-se a passos largos a idade em que, estatística e provavelmente, necessitará de mais caros e frequentes cuidados de saúde.
Diz-se que os bancos gostam de emprestar dinheiro a quem o tem em abundância. E as companhias de seguros, certamente, preferem vender planos de protecção face à doença a quem ainda está na flor da idade e irradia saúde. Ter 60 ou mais anos é, portanto e em geral, factor limitativo ou mesmo impeditivo para a contratação de um seguro de saúde novo e, no caso dos titulares de uma apólice, muitas coberturas extinguem-se automaticamente quando chegam aos 65 ou 70 anos.
Segundo Carla Oliveira, jurista e perita de seguros de saúde na Deco-Proteste, esta é uma questão pertinente e pela qual se bate há muito tempo a associação que representa, pois «é necessária uma legislação que proteja os consumidores portugueses.»
Segundo a jurista, precisamos em Portugal de seguros vitalícios, à semelhança dos que existem em França há já muitos anos: «O cliente pode, no final de qualquer anuidade, desvincular-se do contrato se assim o entender; mas a companhia de seguros, passado um determinado período que deu para conhecer o seu segurado, por exemplo três ou quatro anos, já não o pode fazer.»

Instituto tem feito promessas
É verdade que o ISP tem vindo a prometer, desde há algum tempo, novidades sobre esta matéria. No Plano Estratégico do ISP 2007/2009, divulgado em Maio de 2007, vem registado preto no branco que um dos objectivos é «desenvolver regulamentação de base sobre a exploração de seguros de saúde vitalícios.»
Mais recentemente, no III Fórum do Sector Segurador e de Fundos de Pensões, o presidente daquele instituto, Fernando Nogueira, sublinhou que a autoridade de supervisão está «atenta a outras situações que reclamam um enquadramento específico, como é o caso dos seguros de saúde vitalícios.» Consciente deste facto, «o ISP estabeleceu como prioridade o desenvolvimento de regulamentação de base sobre a exploração de seguros vitalícios, reconhecendo que se trata de uma modalidade que a realidade social potenciará.»
Na ocasião, Fernando Nogueira realçou que o mercado segurador já disponibiliza alguns seguros de saúde que cobrem o risco em idades mais avançadas mas será necessário contribuir para o desenvolvimento de coberturas vitalícias, pelo que o ISP «julga adequado regulamentar determinados aspectos técnicos subjacentes que ajustem as regras prudenciais a aplicar e assegurem um nível apropriado de transparência.» No entanto, até agora, e segundo o que se sabe, tudo isto não passou de promessas ou intenções do ISP que tardam em ver a luz do dia.
Mesmo assim, Carla Oliveira acredita que mais cedo ou mais tarde Portugal adoptará medidas que acautelem os interesses dos consumidores «especialmente quando eles mais precisam de cuidados de saúde.» Mas questionada sobre o preço a pagar pelos utentes desses seguros nos anos tardios da vida, a jurista esclareceu que no sistema actual, e à medida que aumenta o escalão etário do beneficiário, também sobe o valor que ele tem de pagar pela sua apólice, embora os preços variem bastante entre as seguradoras. «É a concorrência no mercado a funcionar», comentou.
Por seu lado, uma fonte do ramo segurador, que pediu para não ser identificada, esclareceu-nos que seguramente a maioria das companhias estará disponível num futuro próximo para disponibilizar no mercado os seguros vitalícios, se a relação risco/remuneração desses produtos for interessante para as empresas. «Trata-se de uma mera questão comercial. Se as companhias de seguros desenvolvem uma actividade que tem fins lucrativos, a maior risco terá de corresponder obrigatoriamente um prémio de seguro mais elevado.»

Doenças preexistentes
Um dos aspectos que também suscita reparos por parte da associação de defesa dos consumidores tem a ver com as doenças preexistentes. Mónica Dias, economista e técnica da Proteste, esclareceu que nos cerca de seiscentos dossiers e pedidos de esclarecimento que a associação recebeu no ano passado por parte dos consumidores, as questões mais levantadas tinham a ver com as coberturas e exclusões, com a interpretação das cláusulas dos contratos «que muitas vezes são obscuras», e ainda com «a pertinente questão de saber se uma determinada patologia é realmente ou não preexistente à celebração do contrato.»
Note-se que as doenças consideradas preexistentes não são contempladas nos seguros de saúde que vigoram em Portugal (diferentemente do que acontece em França, com os seguros vitalícios), tal como estão também excluídas as doenças de que sofre e tem conhecimento o utente, devendo indicá-las no questionário que a companhia lhe faz aquando da contratação do seguro.
Além disso, há doenças específicas que estão sempre excluídas, como as psiquiátricas, tuberculose e hepatite, transplante de órgãos, hemodiálise, sida e hérnias, do mesmo modo que em geral ficam excluídos certos tratamentos médicos relativos à obesidade, ao consumo de álcool e drogas, cirurgias estéticas, etc. Noutros casos, há a possibilidade de contratar algumas coberturas extras, como estomatologia, próteses, lentes e óculos graduados, parto, mediante um prémio adicional suportado pelo beneficiário, que em geral também está sujeito ao pagamento de uma franquia sempre que acciona uma dessas coberturas.
Quando surge algum diferendo entre cliente e seguradora, muitas vezes o assunto bate à porta da Deco. E se há casos em que as queixas começam por um simples telefonema, um e-mail ou uma carta a pedir um conselho e ficam por aí – por exemplo, quando um cliente é esclarecido e conclui que, afinal, talvez não faça sentido ou não valha a pena reclamar da seguradora –, noutras situações ocorre o contrário e o cliente acaba por pedir o apoio jurídico da associação de consumidores, que abre um processo de mediação.
Relativamente a esta última situação, em que o beneficiário decide lançar-se num processo contra a seguradora e solicita o apoio jurídico da Deco, a associação recebeu ou interveio no ano passado em 232 processos de mediação relativos a seguros de saúde, dos quais 135 tinham a ver com cláusulas de exclusão de responsabilidade da seguradora, explicou-nos Carla Oliveira. Outros motivos de diferendo entre cliente e seguradora são principalmente as comparticipações, as pré-autorizações e a falta de informação em geral. Já nos primeiros meses de 2009, foram iniciados até agora quarenta processos de mediação, 24 deles referentes a cláusulas de exclusão de responsabilidade.

Queixas: maioria segue para tribunal
Embora sejam em número relativamente pequeno, num universo aproximado de dois milhões de beneficiários/apólices, as queixas relativas a seguros de saúde também são muitas vezes encaminhadas para o ISP, que recebeu no ano passado 330 reclamações de cidadãos que se consideram lesados por actuações das suas seguradoras.
Já vimos que a Deco fala em números algo divergentes, mas ainda assim também pouco expressivos. O ideal, contudo, era que não existissem quaisquer reparos dos utentes relativamente aos seguros que contratam. Refira-se ainda que não é fácil perceber se quem reclama no ISP também o faz na Deco e vice-versa. Além disso, se consideramos que muitos utentes têm uma posição passiva mesmo quando se sentem lesados, talvez os números atrás referidos pequem por defeito.
Mas uma coisa são as queixas e outra os resultados dessa mediação. Infelizmente, de acordo com as palavras de Carla Oliveira, quem solicita a mediação da Deco «raramente consegue fazer valer os seus eventuais direitos e obter a concordância da companhia de seguros naqueles processos». Assim, e na maioria das vezes, só resta ao consumidor que se julga lesado «avançar depois para os tribunais» se continuar a acreditar que a lei lhe dará razão e tiver dinheiro e tempo para gastar na Justiça.
A jurista e perita de seguros de saúde também é de opinião que o texto relativo às cláusulas contratuais do seguro de saúde é «muitas vezes de difícil compreensão dos utentes», o que potencia depois conflitos ou desentendimentos entre o beneficiário e a companhia de seguros. E se é verdade que o segurado tem o prazo de um mês após a assinatura do contrato de adesão para poder accionar a cláusula de renúncia se se aperceber que aquele seguro afinal não lhe serve ou não tem as coberturas que desejava, também é verdade que muitos utentes não o fazem porque não o lêem e/ou não o percebem.
Refira-se ainda que outro aspecto criticado pela Deco nos seguros de saúde em Portugal tem que ver com os períodos de carência (em que o segurado já está a pagar as mensalidades mas ainda não pode usufruir das coberturas), os quais são de noventa dias na maioria das coberturas mas podem chegar a um ou dois anos noutras (por exemplo, no caso de parto). A associação acha que tais períodos de carência, com excepção eventualmente da ligada à maternidade, não fazem qualquer sentido, até porque as doenças preexistentes estão excluídas e os beneficiários são obrigados a responder com verdade ao questionário relativo à sua saúde, sob pena de o contrato poder vir a ser considerado nulo.
Mas, talvez antevendo esse «prejuízo»para o segurado, o legislador terá querido compensá-lo da seguinte forma: se se manifestar uma doença no período até oito dias após o fim do contrato, o beneficiário fica ainda com esse risco coberto pela companhia de seguros nos dois anos subsequentes, até ao limite do capital que estava disponível para essa cobertura e que não foi utilizado durante o último ano de vigência do contrato.

Coberturas e modalidades: como funcionam
Os prémios a pagar pelos seguros ou planos de saúde existentes no mercado variam imenso em função das coberturas desejadas, dos capitais garantidos para cada cobertura, da idade e sexo do cliente e das franquias, co-financiamento ou percentagens a que está sujeito, por exemplo em caso de internamento hospitalar ou nas consultas de especialidade, e ainda dos descontos que são concedidos quando se subscreve um plano para toda a família, composta de beneficiários com diferentes idades.
Numa simulação que fizemos pela internet no site de uma rede referenciada e para um agregado de quatro pessoas, tendo os pais 43 e 50 anos e os filhos 16 e 18, verificámos que é possível fazer um seguro com uma boa dose de coberturas que custa 2350 euros por ano. Mas se optássemos apenas pela componente de hospitalização, o custo ficava-se por um quarto daquele valor.
No caso de um seguro individual, é fácil constatar que o seu custo sobe exponencialmente à medida que a idade do subscritor avança, do mesmo modo que para iguais capitais e coberturas, os custos de uma apólice para uma mulher são mais elevados (às vezes mais de cinquenta por cento), do que os cobrados a um homem com a mesma idade.
Regra geral, para a cobertura básica que diz respeito a hospitalização, uma garantia razoável começa em 25 mil euros/ano. A partir daqui os capitais podem subir, consoante a vontade e a bolsa do segurado. Esta cobertura suporta despesas com cirurgias, diárias de internamento hospitalar, aluguer de sala de operações, honorários médicos, exames, tratamentos, etc.
Quando o beneficiário também deseja salvaguardar as consultas médicas de todo o tipo de especialidades (excepto estomatologia), convém juntar-lhe a cobertura de ambulatório, com valores a partir de 2500 euros/ano. Além das consultas médicas, podem estar incluídas, por exemplo, pequenas cirurgias que não precisem de internamento hospitalar. Mas atenção que nesta cobertura há uma vasta gama de exclusões, diferentes de companhia para companhia e até entre planos comercializados pela mesma seguradora.
A terceira cobertura normalmente separada das anteriores tem que ver com estomatologia (tratamentos dentários), a qual surge muitas vezes associada às despesas com maternidade e parto. As próteses também podem estar salvaguardadas através de uma cobertura autónoma.
Depois de escolher as coberturas e os capitais que deseja garantir, o cliente deve reflectir sobre a modalidade que mais lhe interessa. Na modalidade de reembolso, pode escolher os médicos/especialistas que deseja consultar. Paga adiantadamente as despesas do seu bolso mas depois recebe uma percentagem (por exemplo oitenta ou noventa por cento) daquilo que gastou quando apresentar os recibos/facturas na seguradora.
Na modalidade de assistência, o segurado recorre por regra aos médicos/serviços da rede da companhia de seguros, pagando uma determinada taxa, geralmente modesta, sempre que é assistido. Se recorrer a serviços médicos fora da rede, as comparticipações são reduzidas.
A terceira modalidade, a mista, é talvez a mais flexível, pois reúne características das duas anteriores, embora as comparticipações fora da rede geralmente sejam menores.
Em todos os casos, convém nunca fazer qualquer despesa não autorizada, para depois não ter chatices quando solicitar o reembolso na companhia de seguros.

Atenção às exclusões
Quando se contrata um seguro de saúde, e a menos que esteja explícito no contrato alguma das coberturas que a seguir transcrevemos, é preciso tomar atenção às exclusões, para que mais tarde o beneficiário não venha a ter surpresas. Segundo o ISP, as garantias normalmente excluídas de um seguro de saúde são as seguintes:
– Doenças profissionais e acidentes de trabalho.
– Perturbações nervosas e doenças de foro psiquiátrico.
– Check-up e exames gerais de saúde.
– Perturbações originadas por intoxicação alcoólica ou uso abusivo de estupefacientes e narcóticos.
– Acidentes ou doenças resultantes de participação em competições desportivas com veículos; prática desportiva profissional e respectivos treinos ou ainda por amadores integrada em campeonatos oficiais; prática de caça submarina, boxe, artes marciais, pára-quedismo, tauromaquia e outros.
– Tratamento ou cirurgia destinada a correcção de obesidade, para emagrecimento e afins, fertilização ou qualquer método de fecundação artificial, transplante de órgãos ou medula, e respectivas consequências.
– Tratamento e/ou cirurgia estética, plástica ou reconstrutiva e suas consequências, salvo se devido a doença ou acidente abrangidos pelo seguro.
– Despesas relativas a estadas em estabelecimentos psiquiátricos, termais, casas de repouso, lares de terceira idade, centros de desintoxicação alcoólica e outras toxicodependências.
– Doenças e deficiências preexistentes à data de celebração do contrato de seguro.
– Consultas, tratamentos e cirurgia do foro estomatológico.
– Despesas ligadas a gravidez, parto e interrupção da gravidez. 
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

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