Segurança

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Temos uma deficiência na organização política, quer europeia quer portuguesa, que é a falta de um claro conceito estratégico europeu e de um claro conceito estratégico nacional. Ambos necessitam de uma articulação que os torne coerentes, mas no primeiro caso é uma questão que abrange toda a União, no segundo a exigência de que se articule, guardando harmonia com as nossas capacidades, com aquele.

No que toca à União trata-se da falha de decisão sobre se a alternativa do objetivo final é a união de Estados iguais ou o modelo, inovador em relação à experiência histórica, de uma federação.

Em qualquer dos casos, uma aplicação do conceito de regionalismo internacional que possa equilibrar o poder dos Estados de grande capacidade estratégica, não apenas militar, e que sempre mantiveram uma função individual, designadamente no Conselho de Segurança, em que a Inglaterra e a França até hoje continuam a ter o poder de veto que já não corresponde às suas capacidades para enfrentar o globalismo na área da segurança. As circunstâncias da evolução tumultuosa atual, com recurso às armas sem controlo internacional que o impeça, tudo agravado nesta data pela decisão russa de se reafirmar unilateralmente contra o direito internacional, e sem mostras de atender às advertências da comunidade internacional em período de debilidade, tudo exige uma atenção e cooperação reforçadas dos países abrangidos pela dimensão do perigo, em que se inclui a Europa, sem distinção dos países pobres e dos países ricos, quer estejam acima do ressuscitado limes romano quer estejam a braços com a crise económica e financeira que aflige os que ficaram a sul.

Não é fácil ignorar que a crise de segurança deflagrada pela ação da Rússia, e que vem agudizar a crise económica e financeira de todos os países do Mediterrâneo, obriga a relacionar as exigências do facto com as deficiências orçamentais dos que estão unidos pelos deveres de segurança e defesa autónoma da União, e, para além deles, com a NATO e os EUA também a recuperarem por obrigação o sentido de que o Atlântico não é a sua retaguarda, por vezes incómoda, como aconteceu nas últimas duas guerras mundiais, mas sim parte do Ocidente em que também se integram.

É evidente que a frente diplomática e a capacidade de reger as relações internacionais de acordo com os padrões da Carta da ONU constituem uma primeira linha a mobilizar até ao último dos recursos, mas não se pode esquecer que os grandes conflitos militares, com frequência excessiva, começam a partir de incidentes banais, como foi em 1914-1918 ao assassinarem um príncipe.

Sobretudo em relação à Europa pobre até este esforço de preservar a paz pelo uso dos instrumentos legais previstos, acrescentados ao bom senso e prudência dos grandes estadistas que seja possível encontrar e chamar no carente espaço ocidental, não deixará de tropeçar na já tão difícil situação financeira desses Estados e no sacrifício, que atingiu a fadiga tributária, da dignidade da condição de vida dos seus povos.

Por uma vez, será necessário que os conceitos nacionais de segurança e defesa sejam enriquecidos com o conceito estratégico nacional que a cada um falte para orientar a ação dos responsáveis, tornando claro que a mudança acelerada da circunstância mundial e do envolvimento, querido ou apenas sofrido, de países como o nosso que não intervieram nas causas da crise, implica uma preocupação alargada com a segurança, para lá da requerida atenção à situação financeira e à segurança dos credores.

É natural que os raciocínios, decisões e valores que orientam um governo estejam sempre conscientemente condicionados pelos imprevistos, um facto, talvez o único, que justifica o não cumprimento dos programas anunciados e definidos para a conquista do poder, mas a conjuntura mundial cada vez mais torna claro, ainda que invisível a forma, que o imprevisto está à espera de uma oportunidade.

A insegurança agravou-se e o descaso, sobretudo da parte das grandes potências ocidentais, é impensável.

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