Saúde

É também no estudo e na manipulação de genes, células, proteínas e outros tecidos biológicos que se joga a saúde da humanidade. O respeito pelos direitos humanos faz o resto. <br /><br />
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Gripe A
No dia 17 de Abril de 2009, no estado da Califórnia, EUA, foi identificado um novo vírus da gripe em dois doentes. Dias depois, a comunidade científica, sempre alerta (quer a actividade, quer o perfil dos vírus influenza em circulação são monitorizados em permanência e em todo o mundo através dos laboratórios associados do Centro Mundial da Gripe, um organismo que tem sede em Londres), já o tinha «baptizado»: «A/Califórnia/4/2009/H1N1». E estudado: o seu genoma incorporava dois segmentos de origem suína. O seu foco inicial também estava determinado - o México.
A propagação do vírus foi muito rápida. Primeiro o continente norte-americano (México, EUA e Canadá), depois a Espanha e o Reino Unido. Em poucas semanas o H1N1 chegou a todos os continentes (a 1 de Junho tinha sido identificado em 74 países, um mês depois em 120). O mundo estava em alerta. A pandemia, tantas vezes anunciada, estava em acção.
Tão célere como o alastramento do vírus só as decisões dos políticos (Barack Obama declarou o estado de emergência nacional para os EUA e as autoridades inglesas passaram a recomendar às grávidas que permanecessem em casa) e das autoridades de saúde (Margaret Chan, a directora-geral da Organização Mundial de Saúde, explicou em sucessivas conferências de imprensa a perigosidade do vírus, a sua letalidade, as medidas de protecção, em casa, no trabalho, nos transportes, nas viagens, as fases da pandemia, a necessidade das vacinas, a importância da medicação antiviral). Com a pandemia na TV, os governos prepararam-se para os piores cenários e trataram de apressar a indústria a  «descobrir» uma vacina eficaz e a acelerar a produção de antivirais. Tudo medidas excessivas.  O que se passou? Porque se revelou o vírus de baixa virulência? Porque o risco foi mal calculado? Porque quem mais mandou foram os interesses financeiros da indústria farmacêutica? As respostas a estas e outras questões ainda não foram dadas. A verdade sobre a gripe ainda está por contar.
Em Portugal, e segundo informação da Direcção-Geral da Saúde (DGS), o Plano de Contingência foi operacionalizado a 24 de Abril - uma semana depois de o alerta ter sido dado na Florida - e o micro site da gripe, da DGS, tornou-se a fonte de todas as informações. Para enfrentar a gripe pandémica A, Portugal, que já dispunha na sua reserva estratégica de medicamentos de uma quantidade de fosfato de oseltamivir em pó suficiente para acudir a 2,5 milhões de pessoas infectadas (comprou em 2005, por altura da gripe das aves), providenciou mais do mesmo, mas em cápsulas - o famoso Tamiflu - além de uma quantidade também não explicitada de Zanamavir - o Relenza. O  governo desbloqueou verbas para adquirir vacinas para trinta por cento da população (três milhões de pessoas) e a prioridade foi dada aos grupos vulneráveis, às grávidas, aos doentes com problemas crónicos e aos trabalhadores dos sectores vitais para a sociedade.
Segundo a DGS, o primeiro caso de gripe A no país «foi diagnosticado a 29 de Abril (importado a partir do México); o primeiro caso secundário ocorreu a 4 de Julho; a 14 de Julho havia cem casos acumulados; mil a 14 de Agosto e dois mil no dia 21 do mesmo mês». De seguida registou-se um período de acalmia mas a epidemia «reacendeu-se» entre 21 de Setembro e 29 de Novembro. No total, foram hospitalizados 1436 doentes (destes, 193 estiveram internados em cuidados intensivos) e contabilizaram-se 124 óbitos.
A 10 de Agosto de 2010 a OMS declarou o fim da pandemia.

Objectivos de Desenvolvimento do Milénio
O comprometimento de 189 chefes de Estado e de Governo que prometerem não dar tréguas à pobreza e à fome representou um compromisso mundial e sem precedentes. E dez anos passados sobre a proclamação dos oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) - erradicar a pobreza extrema e a fome; garantir o acesso ao ensino primário a todas as crianças; promover a igualdade de género; reduzir em dois terços a mortalidade infantil; reduzir em três quartos a mortalidade materna; combater o VIH/sida,  a malária e outras doenças graves; garantir a sustentabilidade ambiental e criar uma parceria mundial para o desenvolvimento - registam-se progressos assinaláveis. É verdade que o cumprimento dos objectivos 4 e 5 só será alcançado em 19 países dos 68 considerados prioritários. Já o ODM 6 assinala progressos modestos mas mensuráveis: o número de novas infecções por VIH/sida diminuiu de 3,1 milhões em 1999 para 2,6 milhões em 2009, o número de pessoas dos países em desenvolvimento que têm acesso a medicação anti-retroviral tem vindo aumentar e a mortalidade a diminuir (1,8 milhões em 2009).
Em relação à malária, também conhecida por paludismo, estima-se que afecte 243 milhões de pessoas (oitenta por cento vivem na região africana) e que tenha provocado mais de oitocentas mil mortes só em 2008. A produção de redes mosquiteiras impregnadas com insecticida passou de trinta milhões para 150 milhões entre 2004 e 2009 e 31 por cento das famílias africanas já possuem uma.  A ajuda financeira para o controlo da doença e para a pesquisa de uma vacina tem vindo a aumentar.

Medicina regenerativa
É uma das áreas mais promissoras da medicina porque abriu portas ao desenvolvimento de terapêuticas eficazes para doenças neurológicas (por exemplo a doença de Parkinson), do coração (enfartes do miocárdio), diabetes, queimaduras graves e lesões permanentes da espinal-medula. Também é uma das áreas mais polémicas, pois a «matéria-prima» da medicina regenerativa são as células estaminais e, por enquanto, as pré-embrionárias e as embrionárias (colhidas num ovo fertilizado, o blastócito, até ao quarto dia de vida), são as únicas que têm capacidade de se reproduzirem indefinidamente e de se diferenciarem em qualquer tecido ou órgão humanos.
Um dos objectivos das muitas pesquisas que estão a ser feitas em vários países do mundo, sobretudo nos EUA e em Inglaterra, é colher algumas destas células universais, cultivá-las em laboratório e, depois, usá-las para reparar órgãos doentes. Um processo idêntico ao que ocorre espontaneamente no nosso organismo, que utiliza células estaminais adultas (produzidas na medula óssea) para reparar os danos que são provocados pelo fumo do tabaco na mucosa respiratória ou pela radiação solar na pele, quando apanhamos um escaldão. O problema é que quantas mais células estaminais são usadas na «recuperação» de órgãos e tecidos maior é a probabilidade de algo correr mal durante a sua divisão e de as células estaminais de transformarem num tumor. É assim no organismo, é assim em laboratório.
A investigação em células estaminais adultas (produzidas na medula óssea) também prossegue a bom ritmo.

Matrix extracelular
Eis o nome do «pó mágico» que criou brechas de esperança para a recuperação de órgãos amputados. O primeiro caso mediático tem dois anos e passou-se com Lee Pievackl, um norte-americano que cortou acidentalmente a cabeça de um dos dedos da mão e que se deixou medicar pelo irmão com uma substância feita a partir de células de bexiga de porco - o tal matrix extracelular -, que até então era usada na medicina veterinária, sobretudo na recuperação de lesões e feridas em cavalos. Quatro semanas após o início do tratamento, a regeneração do dedo, incluindo tecidos, veias e unha, estava completa. E assim, de um dia para o outro, o matrix extracelular passou a ser investigado em vários centros, na esperança de que num futuro próximo possamos recuperar órgãos amputados ou fazer crescer corações e fígados para transplante.

Medicamentos biológicos
Os tratamentos nascidos da biotecnologia são feitos a partir de produtos biológicos - proteínas, enzimas, anticorpos e outras substâncias produzidas pelo organismo humano, por células animais ou vegetais, bactérias, vírus e leveduras - e estão no centro de todas as atenções. Porque representam a esperança no tratamento de doenças tão complexas com o cancro e a doença de Alzheimer, doenças infecciosas (incluindo o VIH/sida e as infecções oportunistas), auto-imunes e cardiovasculares, entre outras. E porque são extremamente caros (utilizam células vivas, o que torna os processos de produção, manipulação e distribuição altamente complexos e muito mais dispendiosos do que os fármacos sintéticos). A maioria dos medicamentos biológicos só pode ser administrada por via injectável ou intravenosa, quase sempre em meio hospitalar.
Segundo a Europabio, a Associação Europeia das Bio-indústrias, o número de doentes que beneficia destes medicamentos já ascende a 325 milhões. Entre eles estão pessoas afectadas por doenças genéticas raras, ataques cardíacos com lesão grave do músculo cardíaco, esclerose em placas, cancro da mama, fibrose quística, leucemia, hepatite, diabetes, doença de Crohn, artrite reumatóide, esclerose múltipla. Os medicamentos biológicos são chamados medicamentos inovadores porque representam uma nova abordagem terapêutica, oferecem um conjunto de novas soluções (incluindo as terapias génica e celular), vacinas e diagnósticos e são a única alternativa disponível para muitos doentes.

Medicina baseada na evidência
A medicina é uma ciência ou é uma arte? É uma ciência, dirão uns. É essencialmente uma arte, proclamarão outros. Polémicas à parte, certo é que hoje em dia as decisões clínicas são tomadas numa intercepção de três universos - a relação com os doentes (a única que existia no passado), a evidência científica (que surgiu no século XX) e a gestão dos recursos em saúde (as políticas, as autoridades, os reguladores, os prestadores, etc.). É neste contexto que nasce a Medicina Baseada na Evidência (MBE), uma metodologia científica de apoio à decisão clínica que, dizem, oferecerá melhores resultados aos doentes. Porque o médico terá mais conhecimento para fazer diagnósticos correctos e para seleccionar os esquemas terapêuticos mais adaptados a cada doente. Respeitando as preferências dos doentes e salvaguardando o equilíbrio das relações com outros profissionais e com o sistema de saúde.

Teste é diagnóstico
Uma boa parte do que fomos, do que somos e do que seremos é determinada pelos genes. E no admirável mundo da genética fazem-se diagnósticos de doenças que já temos, identificam-se outras que vamos desenvolver, calcula-se o risco familiar. Os testes genéticos vieram para ficar. Há muito imprescindíveis para validar informações (paternidade) e para efectuar rastreios (pré-natal ou populacional), passaram entretanto a ser usados por rotina, na clínica, como testes de diagnóstico, preditivos ou outros. Os primeiros são usados em pessoas que apresentam sintomas específicos e podem confirmar uma doença em concreto (trissomia 21, fibrose quística, entre outras). Já os testes preditivos são efectuados em pessoas presumivelmente com doença mas sem sintomas (como a paramiloidose, a chamada doença dos pezinhos, ou a doença de Huntington). A vantagem dos testes preditivos reside na possibilidade de impedir a manifestação da doença através de medidas terapêuticas se forem identificadas as mutações que a provocam (na paramiloidose faz-se um transplante de fígado). Já os testes de susceptibilidade (identificam mutações que aumentam o risco de uma pessoa vir a desenvolver determinada doença) continuam envoltos nalguma polémica, sobretudo quando são usados para avaliar a predisposição para doenças que não têm tratamento disponível. Mas, nalgumas famílias, já pode haver vantagem em saber se se é ou não portador de um gene conhecido que origina cancro ou doença cardiovascular em elevada percentagem de casos.

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