Roteiro
Na nossa Terceira há menos mar do que talvez se esperasse. Há mar em São Mateus e em Santa Bárbara, no farol da Serreta e também - bastante - na Praia da Vitória. Às vezes damos um mergulho no Negrito, outras na Silveira. Mas a verdade é que na nossa Terceira há sobretudo terra.
Na nossa Terceira há florestas: a dos Viveiros e a da Lagoinha da Serreta, a dos Mistérios Negros, saída de um livro de Tolkien, e as da Terra Chã, da minha infância e dos passeios com o Melville. Há os caminhos de bagacina, fendendo vermelhos os mantos de criptomérias, e há uma série de montanhas - os picos Gordo e Gaspar, as serras de Santa Bárbara e do Cume.
Na nossa Terceira há cerrados, grutas misteriosas e até as profundezas da terra. De cada vez que vou ao Algar do Carvão, obrigado a mostrá-lo a algum visitante, acho que já não resta uma só estalactice a que não tenha dado nome. E, porém, vem comigo, aquele vulcão - assim que posso, torno a descer.
Na nossa Terceira há amigos e falares, tradições e gastronomia. Come-se muito, na nossa Terceira, e às vezes até se come sobre o mar - em piqueniques, em restaurantes. Mas, ainda assim, o mar permanece menos central, na nossa Terceira, do que talvez se esperasse.
Na nossa Terceira há tesouros que os próprios terceirenses desconhecem: as planícies entre o Porto das Cinco e o Pezinho de Nossa Senhora, uma estrada no interior dos Biscoitos (a que, entre nós, chamamos Estrada do Paraíso), a Fajã da Serreta. A nossa Terceira é tão nossa que no outro dia mostraram-me uma foto da rotunda do aeroporto e eu nem a reconheci.
Na nossa Terceira há tudo menos o mar. Porque o mar deve ser epifania e por outra razão ainda: porque queremos guardá-lo para o fim, de modo a resgatar a nossa relação com a ilha se algum dia viermos a zangar-nos com ela.