Pesqueiro
No primeiro dia de praia do ano passado levámos o Melville connosco. Estávamos naquela fase de descoberta e encantamento em que tínhamos diálogos como este:
- Isto da Royal Canin é outra coisa. Faz umas fezes espectaculares.
- Pois é.
De maneira que agarrámos na cestinha de piqueniques, enfiámos o cão no carro e apontámos ao Pesqueiro, um recanto de rocha a que eu costumava ir na infância, porque a minha mãe não sabia nadar, e onde dificilmente teríamos de preocupar-nos com crianças, adultos ou outros cães.
Íamos na estrada, com a brisa cálida de Primavera inundando o automóvel, e sonhávamos com um momento idílico. Andávamos a trabalhar como loucos e merecíamos ao menos uma manhã de domingo. Nadaríamos com placidez por entre as grandes rochas de basalto, e a certa altura o Melville deslizaria ao nosso encontro, borboletas rodeando--nos aos três, numa folia benigna.
Resultou no que, ao fim e ao cabo, era mais razoável esperar: gritos, correrias, arranhadelas - e, no fim, de algum modo que não cheguei a perceber, o cão isolado numa espécie de ilha de rocha, trémulo de frio e de medo, embora não o suficiente para resistir ao pitéu de larvas que languesciam sobre um resto de peixe putrefacto.
Felizmente, distávamos do automóvel apenas dois quilómetros de pedra irregular e escarpas. E, de qualquer maneira, a Catarina também não gostava assim tanto daquelas sandálias.
Voltámos para casa, ligámos ao veterinário e obrigámos o bicho a beber quatro colheres de sopa de água oxigenada. Ele regurgitou durante meia hora sem parar e, quando começou a dominar o estertor, pôs-se a depositar o produto sobre os meus sapatos, como uma oferenda.
É um animal de uma devoção extraordinária, e nós mal podemos esperar pelo primeiro dia de praia deste ano também.