Monsanto

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Adivinha-se que as noites terminem invariavelmente com um passinho de dança gingado. Mas a primeira edição do África Festival, que esta noite se estreia em Monsanto, Lisboa, propõe uma celebração da cultura africana através de um roteiro de promissora qualidade artística, que o situa muito para lá de uma simples festa de ritmos dançáveis. Ali Farka Touré, nome maior da música do Mali, surge à cabeça de um cartaz que inclui o brasileiro Chico César, o congolês Ray Lema, os belgas Zap Mama e uma ilustre embaixada da música africana feita em Portugal, integrada por nomes como Tito Paris, Lura, Manecas Costa ou Waldemar Bastos. Um programa de oito concertos distribuídos por quatro noites em dose dupla. Sempre no palco do Anfiteatro Keil do Amaral, sempre às 22.00 e 23.30, sempre com entrada gratuita.

A organização pertence à autarquia da capital, integrando-se no programa Lisboa em Festa 2005, e promete ser balão de ensaio para uma iniciativa duradoura. "Está tudo dependente do sucesso da primeira edição", explica ao DN Pedro Mereu, responsável da Egeac, empresa municipal que faz a gestão dos equipamentos culturais municipais e à qual está confiada a organização do evento. Mas o objectivo, confessa, passa por "estabelecer em Lisboa um festival anual exclusivamente dedicado à cultura africana, cruzando concertos, exposições, debates e outras iniciativas" (ver caixa). A política de entradas gratuitas, garante, "é parte desse conceito", assim como o é a "procura de um cartaz internacional de qualidade". E isso, pelo menos, parece já conseguido.

o trunfo. Ao lado do tocador de kora Toumani Diabaté, Ali Farka Touré gravou um dos mais celebrados álbuns deste ano no circuito europeu da world musicIn The Heart of the Moon, trabalho que até agora apenas teve direito a apresentação pública por terras belgas - em espectáculos de que deverá em breve nascer uma edição DVD. O que apenas serve para agravar a importância de um concerto que para muitos poderá servir de introdução à velha tese de que os blues, sonoridade fundadora da música popular norte-americana, nasceram, afinal, no Mali.

Nome incontornável da música do Mali, Ali Farka Touré recolheu o aplauso global quando dobrava os 50 anos. Foi em 1994, quando o disco de duetos com Ry Cooder (Talking Timbuktu) arrecadou um Grammy. Agora, aos 66 anos, é Touré quem apadrinha um novo talento no circuito internacional. E embora o seu nome figure em primeiro na capa do álbum e no cartaz do concerto,é a kora de Toumani Diabaté que brilha em cada tema. Gravado em pouco mais de duas horas e sem qualquer ensaio, o disco regista o encontro de dois músicos separados por três décadas de vida e uns milhares de quilómetros de terra -Toumani é do Sul, Ali é do Nordeste e o Mali tem 13 vezes o tamanho de Portugal.

Esse encontro faz-se no terreno do ancestral cancioneiro dos griot, casta a que, desde o século XVIII, foi confiada a tarefa exclusiva de cantar a história do império mandinga - há um tema no disco que se crê ter 700 anos. Mas a verdade é que a linguagem do improviso que brota com destreza dos dedos de Diabaté tem tudo a ver com blues.

naipe de luxo. Descartado o grande trunfo, sobra ainda uma mão- - cheia de ases. Os primeiros descobrimo-los já esta noite, num programa dividido entre o guineense Manecas Costa, há muito radicado em Portugal, e a novidade dos Zap Mama, banda belga que trabalha numa síntese de soul, gospel e ritmos afro-cubanos - um caso de sucesso no circuito da world que começou por ser editado pela extinta Luaka Bop de David Byrne e já nomeados para um Grammy.

No sábado, o palco de Monsanto regressa ao activo com um concerto do veterano Waldemar Bastos, o angolano que há duas décadas se radicou em Portugal e que ali se apresenta ainda com Renascence, o seu último álbum. Segue- -se o aguardado encontro entre Ray Lema, embaixador de maior renome da música congolesa, e o brasileiro Chico César. Os dois compositores e guitarristas reeditam um concerto conjunto estreado há dois anos no Rio de Janeiro.

Para a última noite, fica reservada nova cartada inteligente, numa jogada inteiramente dedicada a Cabo Verde. O palco abre uma vez mais às 22.00 para receber Lura, a jovem luso-cabo-verdiana que se passeou três meses consecutivos pelo World Music Charts Europe - tabela elaborada a partir do airplay radiofónico dos artistas - com Di Korpo ku Alma, álbum recentemente reeditado com uma adenda em DVD e que deverá servir de base a este espectáculo. A noite e o cartaz do primeiro África Festival fecham com outro veterano radicado em Portugal Tito Paris apresenta-se num concerto promissor, acompanhado de uma orquestra de câmara.

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