Microcrédito
Quase um ano após a publicação do decreto-lei que criou as sociedades financeiras de microcrédito e o seu regime jurídico, foram finalmente regulamentados, através de duas portarias, aspectos fulcrais do funcionamento daquelas instituições e do próprio instrumento do microcrédito. Será esta regulamentação suficiente?
Criado no princípio dos anos 70, no Bangladesh, por Muhammad Yunus, o microcrédito mais não é que um pequeno empréstimo destinado a apoiar pessoas que normalmente não têm acesso ao crédito bancário, quer por se encontrarem numa situação de desemprego quer por serem pequenos empresários, mas que querem desenvolver uma actividade económica por conta própria, mostrando ter motivação e capacidade para o fazer.
No actual contexto de crise socioeconómica que o nosso país atravessa, o microcrédito surge como uma ferramenta que poderá revelar-se essencial no combate ao desemprego e à exclusão social, através da criação de novas oportunidades, bastando para tal que os interessados se apresentem motivados e com um projecto empresarial sustentável.
Tendo na mira este objectivo, o Governo acaba de disponibilizar para o Programa Nacional de Microcrédito o montante de 20 milhões de euros, com vista à criação de uma linha de crédito bonificado para o desenvolvimento de projectos empresariais. Actualmente gerido pela Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), espera-se que aquele programa venha a ter grande adesão, contribuindo, assim, em larga medida, para a diminuição da actual taxa de desemprego em Portugal.
Alegadamente por falta da regulamentação agora publicada, a banca teve, até à presente data, o monopólio do microcrédito em Portugal, mas o objectivo desta legislação é exactamente alargar a sua concessão a sociedades financeiras que se especializem neste tipo de financiamento, como é o caso do Grameen Bank, fundado em 1977 por Yunus e mais conhecido por banco dos pobres.
Para tal, as duas portarias recentemente publicadas - 1315/2010, de 28 de Dezembro e 59/2011, de 31 de Janeiro - vieram regulamentar esta matéria, estabelecendo esta última que as sociedades financeiras de microcrédito devem ter um capital social não inferior a um milhão de euros.
A portaria de Dezembro veio definir as actividades económicas susceptíveis de constituir o objecto do financiamento através do microcrédito, referindo que este deve consistir no "financiamento de pequenos projectos empresariais ou profissionais susceptíveis de criar ou manter postos de trabalho de forma sustentável", e que para tal as sociedades financeiras devem adoptar as medidas necessárias para garantir, por um lado, "a avaliação do projecto a financiar e a existência de condições para a respectiva viabilidade económica", e, por outro lado, "o acompanhamento e a assessoria na preparação, implementação e gestão do projecto a financiar"; sendo ainda referido que o montante máximo destes financiamentos não poderá exceder "o valor de euro 25 mil euros por mutuário".
A verdade é que, ao contrário do que seria de esperar, estas portarias não vieram preencher o vazio que se fazia sentir pela falta de regulamentação do decreto-lei que criou as sociedades financeiras de microcrédito, não apontando critérios claros para a verificação de pressupostos essenciais à concessão deste tipo de crédito e não respondendo a questões que se colocam a propósito da avaliação e da fiscalização dos projectos a financiar, afigurando-se, assim, manifestamente insuficientes.