Maria Filomena Mónica

A socióloga e escritora publicou <em>Passaporte</em>. Um conjunto de relatos de cidades de Portugal e de outros países.
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SÃO 265 PÁGINAS, mas Maria Filomena Mónica revela que ainda ficou muito por contar das suas viagens e do prazer em trocar a sua casa por outras paragens. É com essa opinião que se fica quando se fala com a autora sobre Passaporte, um volume que reúne o que escreveu neste género literário na última dúzia de anos e que sai agora reunido sob um mesmo título.

Quando se lhe pergunta a razão desta colectânea de textos diz que foi uma invenção de Zita Seabra, a sua editora. Explica que a responsável pela Alêtheia não partilhava a princípio da opinião que juntar textos já publicados poderia ser uma boa ideia mas que um dia foi a própria que a desafiou a fazê-lo. E assim nasceu o livro, a que juntou vários textos inéditos. Filomena Mónica fez a recolha e não esperava encontrar tanto material escrito sobre viagens como aconteceu: «Eu não tinha a noção de que havia tantas reportagens.»

Mesmo assim, há viagens que ficaram por fazer! Entre elas está uma que a seduz, conhecer São Petersburgo: «O Cesário diz que esta cidade é o mundo e como esse eu já o conheço, agora falta-me a cidade.» No entanto, a autora nunca foi à Rússia porque receia que São Petersburgo seja uma cidade reconstruída e irá deparar-se com uma fachada em vez da personalidade própria da cidade.

Esse é, aliás, o seu maior medo quando viaja, o de não encontrar a personalidade dos locais que visita. Por isso, em vez de ficar três dias numa cidade prefere permanecer por três semanas e ter tempo e disponibilidade para confraternizar com os seus habitantes e reconhecer a sua história através de passeios e conversas.

O seu método para «inspeccionar» o lugar escolhido repete-se. Depois de decidido o destino, reúne bibliografia que a informe completamente sobre ele. Chegada à cidade, é obrigatório visitar a melhor livraria local onde busca novos livros sobre o país e quando regressa a casa ainda consulta outros livros sobre o tema. Foi assim que na sua deslocação ao Alhambra descobriu um volume do escritor americano Somerset Maugham sobre a Andaluzia e se deliciou com as suas descrições e análises: «Fico a conhecer outras sensibilidades.»

Quanto ao modo de viajar, Filomena Mónica já não dispensa algumas comodidades. Relembra que viajou sem condições até muito tarde – «30 e tal anos» – e que ficava a dormir em casa de amigos no saco-cama no chão se fosse preciso, mas que agora exige outras condições. «Com a idade esta indisponibilidade começa a fazer sentido e exijo hotéis muito bons e que são caros», diz, enquanto acrescenta: «Não consigo andar o dia todo, tenho de interromper e descansar no hotel.»

Antes de morrer, avisa, ainda quer voltar a Veneza. «É uma cidade bilhete-postal, mas espantou-me», considera e até revela que se adaptaria a viver em Itália (na Toscana) apesar de ser uma sociedade muito desorganizada quando comparada com a britânica. Também gostaria de conhecer os países escandinavos, mas não tem curiosidade alguma no que respeita a culturas muito diferentes das suas, como é o caso da Índia e da China.

Para a escritora, estar num país que por muitos livros que leia nunca o vai compreender é um grande óbice: «Para mim é muito importante falar a língua do país ou que falem o mínimo de inglês para eu poder comunicar. Não vou ao Terceiro Mundo porque não posso andar de metropolitano. Isso é muito notório no Egipto, tem de se ter um carro, um chauffeur e um guia e dificulta o contacto com as pessoas.»

Preparar uma viagem depende do destino. Se vai para Edimburgo, faz pouco trabalho de casa, mas se vai para destinos que desconhece utiliza uma agência de viagens inglesa que lhe marca e aconselha hotéis e trajectos. Uma coisa é certa, não vai em viagens de grupo: «Ou vou com um guia individual ou não vou.» 

Para Maria Filomena Mónica também não faz sentido estar pouco tempo numa cidade: «Quando fui a Istambul fiquei nos dois lados do Bósforo para entender as duas civilizações.» E quando regressa vem muitas vezes com vontade de voltar, como foi o caso desta viagem à Turquia porque é na Ásia Menor que se encontra a maior parte da civilização grega que ainda resta e não a conseguiu visitar como queria.


Vale a pena saber o quão aventureira é Maria Filomena Mónica? Depreende-se dos seus relatos publicados em Passaporte que é pouco e essa é uma certeza que a sua resposta confirma: «Andar de camelo não me entusiasma nem as aventuras mais físicas me atraem.» Mas no Bósforo optou por conhecê-lo de cacilheiro, misturada com as pessoas que vão para casa em vez de o fazer num barco para turista. Define-se «zero aventureira» e mais «leitora». Não anda de camelo nem faz percursos que a desgastem muito fisicamente e gosta de repousar no quarto do hotel a meio do dia enquanto lê.

Prefere entender a alma do país pelos olhos dos que se aventuraram, como é o caso de Cavafis ou E.M. Forster, do que pelos seus próprios pés em caminhadas estafantes. Nada que afecte a leitura deste Passaporte, até porque se Filomena Mónica o não confessasse, essa seria uma situação que não entenderíamos assim tão facilmente.   

Entrevista

«Não quero ter preconceitos»

A escritora viaja por motivos diversos: férias, razões familiares, convites de amigos e para conhecer os locais onde viveram os escritores que mais admira.

Divide o livro com viagens em Portugal e no estrangeiro. Porquê?
Foi por acaso, tal como aconteceram as viagens que fui fazendo ao longo destes anos. Istambul porque estava a escrever sobre Calouste Gulbenkian, Edimburgo porque estava a trabalhar sobre Robert Louis Stevenson… As viagens partem de vários motivos: férias, solicitações familiares, convites de amigos e a locais onde viveram e escreveram escritores que admiro.

Prefere as viagens cá dentro ou lá fora?
Não sou capaz de as distinguir. Espero que a voz seja a mesma, não nostálgica nem sentimental, como tentei que acontecesse na viagem à terra dos meus avós que fiz no dia em que o meu pai morreu. Não quero ter preconceitos.

Gostaria de viver onde?
Em determinada altura pensei em mudar-me para o Barroso, mas vi que seria impossível porque era bonito mas muito miserável e não conseguiria suportar. Já houve uma altura em que pensei mudar-me para os Estados Unidos, mas concluí que sou do velho continente. Fui a Nova Iorque e senti que não pertencia a esse espaço mas à dimensão europeia.

O atentado às Torres Gémeas está no seu pensamento quando viaja?
Nunca me assusto com esses perigos nem penso que vá apanhar com uma bomba. Assusta-me o Islão mas não uma bomba.

Quando viaja reencontra-se com sensações esquecidas. Aromas, por exemplo?
Quando fui visitar a Costa Vicentina relembrei o que era o cheiro a árvores e bastou um passeio para o sentir. No Cairo, por exemplo, aluguei o quarto mais caro do Hotel Mena House, porque está virado para as pirâmides, para entender a sensação descrita pelo Eça de as ver às seis da manhã e foi uma desilusão. Abri a janela e vi um monte de pedras e poluição. Os empregados do hotel bem me disseram que era areia do deserto!



Viajantes em Portugal

«A avaliação que fazemos de um país depende das expectativas com que o visitamos, se são muito altas é mais difícil encontrar a correspondência», diz Maria Filomena Mónica.
O Passaporte de Maria Filomena Mónica também contém vários relatos sobre deslocações em Portugal. Pergunta-se-lhe porque é que ao longo dos séculos tantos viajantes estrangeiros têm vindo até cá, ao que responde, no caso dos ingleses, que para muitos era o reencontro com a Arcádia ou «a Inglaterra tal como eles a imaginavam antes da revolução industrial» e que muitas vezes apreciariam ainda mais o país «se ele não tivesse portugueses».

Quanto aos relatos de outros viajantes sobre Portugal, define que os há para todos os gostos: «Os que não gostaram, os que não perceberam nada, os que gostaram muito e os que viram coisas que nem estão cá.» E dá como exemplo a investigação para o seu próximo trabalho, o estudo de uma família açoriana, onde encontra relatos que empolam a capacidade dos climas dos Açores e da Madeira para curar doenças mas onde «é flagrante a visão negativa dos Açores».

Quanto aos testemunhos sobre Portugal, como a maior parte são de escritores ligados ao iluminismo e que são protestantes, as visões eram muito negativas porque fazem, como na estatística, uma correlação espúria: «O país é católico e atrasado e concluem que esta é a causa do atraso.» Quando questionada porque é que Eça de Queiroz tem sempre uma visão negativa do país, Filomena Mónica contrapõe outras mais positivas e de quem também vem de fora, como é o caso de Hans Christian Andersen, que é seu contemporâneo: «Ele é muito entusiasmado com Portugal e mal ultrapassa a fronteira elogia o país e compara-o com Espanha, sempre a apontar bons exemplos. A avaliação que fazemos de um país depende das expectativas com que o visitamos, se são muito altas é mais difícil encontrar a correspondência.»

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