Mandela

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Do medo ao alívio vai esta política de Estado. Na África do Sul, o Presidente Zuma e o ANC passaram meses fechados em copas sobre o estado de saúde de Nelson Mandela, patrono do país saído do apartheid. Filtraram informação clínica, geriram a iminência da orfandade, provaram como é ténue a fronteira entre a mínima estabilidade assente na existência física de um ícone e o princípio de qualquer coisa que já não se controla. Zuma saiu mal desta história. Não contente com isso, entrou ainda pior numa outra.

Há dias, Mandela voltou a aparecer publicamente: imóvel, sem chama, numa mórbida debilidade física. Que importou isso para Zuma? Nada. Diga-se que também não inibiu ninguém do clã Mandela, que objetivamente permitiu que este atroz aproveitamento fosse publicitado. É até um neto de Mandela quem o fotografa, como se de uma figura de cera se tratasse. Uma vergonha. À volta de Mandela era um festim. Políticos do ANC, família, Zuma. De Mandela, nem sorriso nem palavra. "Tirem-me deste filme", era a legenda adequada. Mas não, Zuma sorria e mostrava ao povo como "era boa a saúde" do homem que resume a convivência social sul-africana em moldes, digamos, salutares. Antes deste triste momento, já um alto quadro do ANC vinha apregoar aos setes ventos que "Madiba é nosso". Vai assim o assalto: Mandela não é da África do Sul, é do ANC; não é nacional, é de fação; não é pela unidade, é pela clivagem. Só recorre a este expediente quem sente o tapete fugir, o país descolar, o poder a esfumar. É triste assistir a isto, como é triste ver a crescente discórdia familiar pela gestão do património de Mandela.

E se é assim neste fim de vida, que acontecerá depois do seu desaparecimento? Uma apropriação faciosa do legado? A ruína apressada da memória unificadora? Mandela foi um político extraordinário, cuja vida merece que o país o respeite e se respeite. Zuma, esse, não passará de uma nota no rodapé da história.

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