Maioria absoluta

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O n.º 1 do artigo 187.º da nossa Constituição dispõe expressamente que "o primeiro-ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais."

Significa, pois, que a lei fundamental portuguesa dá uma larga amplitude ao Chefe do Estado para escolher o chefe do governo, sem exigir, contudo, que os governos tenham de ter obrigatoriamente apoio maioritário no Parlamento.

Porém, a discussão pública está toda centrada na necessidade de haver uma maioria absoluta dos deputados que apoie o governo que venha a ser formado na sequência das eleições legislativas de 4 de outubro próximo.

Face aos desafios múltiplos e complexos que Portugal tem pela frente, compreende-se até esta posição, que aparenta ser maioritária no país político; não sei, todavia, se no eleitorado.

Veremos, pois, qual a resposta que quem for votar dará a esta inquietação que levou já até Pedro Passos Coelho a afirmar que será preferível uma maioria absoluta do Partido Socialista do que uma maioria relativa da coligação que lidera.

Proclamação, estou certo, que não pode deixar de espantar um eleitor daquilo que se convencionou qualificar, na geometria política, como de centro-direita.

Na verdade, como compaginar o teor das declarações de responsáveis da coligação Portugal à Frente, segundo as quais é fundamental não deitar a perder o esforço e os sacrifícios efetuados pelos portugueses nos últimos quatro anos e imperioso afastar o perigo que representa voltar atrás e ao tempo pré-bancarrota simbolizados na governação do Partido Socialista, com a defesa de que, em nome da estabilidade e da governabilidade, é melhor haver uma maioria absoluta deste partido, do que PSD e CDS juntos ganharem as eleições, ainda que com menos de 115 deputados.

Como é possível dramatizar a escolha política, defendendo com unhas e dentes um determinado caminho, por contraste à ruína que significará a alternativa do Partido Socialista e, ao mesmo tempo, desconsiderar esse combate, desqualificando o valor das suas próprias propostas ao aceitar que mais vale que tenham vencimento as da oposição, se as suas não recolherem apoio maioritário.

As eleições servem, ou deviam servir, para que seja possível optar por projetos políticos e ideológicos substantivamente distintos, pelo que me faz muita confusão que, havendo genuinidade e convicção de que o caminho a seguir deve ser um, de uma penada se diga que afinal não faz mal nenhum que se siga o outro, aparentemente muito diferente, dando a sensação de que na realidade tanto faz uns como outros.

O sistema eleitoral pelo qual são eleitos os deputados à Assembleia da República, proporcional, ainda que mitigado pelo método da média mais alta de Hondt, privilegia a repartição equilibrada das várias forças políticas concorrentes, em detrimento da facilidade de constituição de maiorias homogéneas.

É, portanto, neste quadro e à luz do supramencionado artigo 187.º da Constituição que os governos terão de se constituir.

Para um anónimo eleitor que queira prosseguir, com mais ou menos ajustamentos, o rumo geral que tem sido apontado pelo atual governo, parece de difícil aceitação que lhe digam que é melhor os socialistas governarem com maioria absoluta do que haver um governo liderado por Pedro Passos Coelho que tenha, não obstante, de obter o apoio, ainda que pontual, do Partido Socialista.

Mas isto sou eu apenas a interpretar o senso comum, sem a sofisticação rebuscada dos políticos profissionais.

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