Liberdade de imprensa
O Diário de Notícias fez 146 anos. O DN é uma instituição ímpar do jornalismo português, cuja história está associada aos mais importantes momentos da vida política e cultural do nosso país. A comemoração do seu aniversário é antes de mais uma ocasião para felicitar os jornalistas que no DN e em outros órgãos de informação realizam esta tarefa ingente de informar e formar os portugueses. Mas esta é também uma ocasião para reflectir sobre esse bem precioso da democracia, que é a liberdade de imprensa.
A liberdade de expressão dos jornalistas assume uma importância crucial numa sociedade democrática, uma vez que eles funcionam como o "cão de guarda público" (public watchdog), na expressão clássica do famoso acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem proferido no caso Observer e Guardian vs. Reino Unido. Por isso, é particularmente importante a atenção que o tribunal tem dado às garantias fundamentais dos jornalistas em situações dilemáticas e controversas, como sucedeu por exemplo com a protecção da confidencialidade das fontes no caso Goodwin vs. Reino Unido e com a protecção do local de trabalho e dos meios de trabalho do jornalista no caso Roemen e Schmidt vs. Luxemburgo.
É certo que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem reconhecido uma ampla margem de discricionariedade do Estado na regulação do espaço público de comunicação social. No caso DeMuth vs. Suíça, o Tribunal admitiu a recusa de autorização de um canal de televisão exclusivamente dedicado a automóveis. Já no caso Verein gegen Tierfabriken vs. Suíça, o Tribunal considerou inadmissível a proibição de publicidade paga de um grupo de defesa dos direitos dos animais. Mas o Estado tem também o dever de sindicar, perseguir e punir convenientemente as violações da liberdade de expressão e de imprensa. Se o não fizer, o Estado viola processualmente o artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Exemplos importantes de violações processuais são o caso Jerusalém vs. Áustria sobre a não admissão de meios de prova para justificar um juízo de valor e o caso Association Ekin vs. França sobre a insuficiência da sindicância judicial da proibição administrativa da publicação de um livro estrangeiro. Mais: o Estado tem também o dever de conformar o seu sistema judicial de modo a reparar a violação da liberdade de expressão e de imprensa, independentemente do tempo decorrido desde a ocorrência dessa violação, como se decidiu no segundo caso Verein gegen Tierfabriken vs. Suíça.
Também na fixação da responsabilidade civil, criminal e disciplinar dos jornalistas, o tribunal tem reconhecido limites importantes impostos pela cláusula da "necessidade numa sociedade democrática". Por exemplo, viola a liberdade de expressão uma indemnização ou uma sanção criminal ou disciplinar excessiva, como sucede, por exemplo, com a fixação de uma indemnização de 1 500 000 libras por uma difamação (caso Tolstoy Miloslavsky vs. Reino Unido), ou a determinação de sete meses de prisão efectiva e da perda do direito de exercer a profissão de jornalista durante um ano (caso Cumpana e Mazare vs. Roménia), ou a pena de doze meses de prisão convertida em multa módica (caso Aydin Tatlav vs. Turquia), ou até a condenação em apenas um franco (caso Bresilier vs. França), ou mesmo a simples declaração de culpa sem outra sanção (caso Steur vs. Países Baixos), dependendo das circunstâncias do caso concreto. Aliás, a imposição de uma pena de prisão por um crime de abuso de liberdade de imprensa só pode ter lugar em circunstâncias excepcionais, como o discurso de ódio (hate speech) ou de incitamento à violência, nos termos da decisão do Tribunal de Estrasburgo no caso Sürek e Özdemir vs. Turquia.