Lapas
A ver se no sábado faço um arroz de lapas com algas. É o meu primeiro sábado livre em muito tempo, e este exultante Verão com que temos sido abençoados desafia às lapas.
Dantes era difícil arranjar lapas. Comiam-se vivas, com pão de milho e vinho de cheiro, os corninhos espreguiçando-se como pequenos braços. Congelá-las estava fora de questão.
Cada um se safava como podia, arriscando a vida durante a época e a cadeia durante o defeso. O que nos salvava era que cada freguesia tinha o seu corajoso capaz de arriscar ambas ao mesmo tempo, embora nem todas as histórias tenham acabado bem.
Perdi a conta aos homens que foram desaparecendo, ao longo das décadas, por conta da apanha da lapa. A apanha da lapa é a nossa limpeza de janelas de arranha-céus.
Felizmente, a inflexão do receituário no sentido da lapa grelhada permitiu o desenvolvimento de uma pequena indústria de congelados. É fácil encontrar lapas congeladas, hoje em dia - e, no caso do arroz de lapas com algas, faz pouca diferença.
A maior parte dos portugueses continua sem gostar delas, mesmo frescas - assim como não gosta de abrótea, de túbaros ou de carqueja. Comida de pobre, parece.
Mais fica.
Portanto, no sábado, vou refogar uma cebola grande com dois dentes de alho e, ao ver alourar, juntar-lhe uma chávena de arroz carolino, duas folhas de louro e uma colher de sopa de açafroa.
Nessa altura, já terei escaldado duas mãos-cheias de lapas, separando-as das conchas. Então, adiciono ao preparado a água em que as escaldei, coando-a. Tempero de sal, junto as lapas e as algas (pronto, a erva-patinha) e deixo levantar fervura.
Vou ter de acordar cedo, porque no sábado a baixa-mar é às dez para as sete da manhã. A erva--patinha ainda não se congela.
Nem tudo está perdido.