Independentes
Assunção Esteves foi eleita presidente da Assembleia da República. Uma excelente escolha dos deputados. A ex-juíza do Tribunal Constitucional tem um percurso feito de relevantes serviços prestados à coisa pública e uma carreira política sólida e inatacável. Tem, porém, um problema que nos dias que correm é uma falha terrível: apesar de nunca ter deixado de exprimir as suas opiniões, coincidissem ou não com as do partido a que pertence, não é independente. Foram, aliás, os seus correligionários do PSD que nos alertaram para este lamentável pecado, quando sublimaram Fernando Nobre, o político antipolíticos, o homem que se borrifava para o mandato popular se não lhe dessem o cargo que queria.
Assunção Esteves tem experiência de Parlamento, é uma profunda conhecedora da instituição, tem o respeito dos deputados (não é preciso lembrar a votação esmagadora), é uma figura importante da nossa democracia, mas não tem a suprema qualidade que fazia de Fernando Nobre o presidente da Assembleia da República ideal, não é independente, milita num partido. Só faltou mesmo a alguns dirigentes do PSD terem pedido desculpa por este irremediável defeito.
Também temos ministros que são saudáveis independentes e outros que sofrem da doença da militância partidária. Os primeiros não têm nada que se possa apontar, os segundos são de desconfiar.
Ouvi muita gente a elogiar o Governo por ter tantos independentes. O programa que estes ministros vão executar não é o do PSD? Os ministros militantes de partidos só vão escolher para os seus ministérios outros militantes, mesmo que sejam incompetentes e desonestos. Já os independentes, pelo facto de o serem, vão recrutar gente séria e honesta. É assim, não é? Talvez, assim sendo, proibir a presença de membros do partido no Governo fosse uma boa medida.
Parece que ter cartão de um partido deixou de ser curriculum para passar a ser cadastro.
Quando se ouve falar de independentes, percebe-se logo que estamos a falar de partidos. Independente de interesses económicos, corporativos, ou das mais variadas organizações não interessa. Falamos em independentes e só nos ocorre independência em relação aos partidos.
Na eleição para presidente da Assembleia da República, falou-se à boca cheia da maçonaria. Correu célere a história (não sei se falsa se verdadeira) de que importantes membros desta organização, deputados e dirigentes partidários, estariam a fazer todos os esforços para que Nobre fosse eleito. Não ouvi ninguém, contudo, a falar de independência face a uma entidade de que poucos conhecem os processos de decisão e objectivos. O mesmo se poderia dizer noutras circunstâncias sobre ligações a empresas, clubes, universidades ou grupos de pressão. Um homem ou uma mulher num qualquer lugar relevante no Estado torna-se imediatamente invulnerável às pressões do antigo patrão, da família, da maçonaria, do Opus Dei, do tio, do clube, dos amigos, mas não dos partidos. Não, os partidos é que são a fonte de todo o mal. Nestes, todos os interesses são suspeitos, todas as relações estão inquinadas.
Entra-se num partido e deixa-se de ter opiniões e convicções.
Curiosamente, as pessoas com mais pensamento político próprio, menos influenciáveis que conheci, são militantes partidários, e as mais sectárias, mais seguidistas das posições oficiais, as que se juntaram a um partido como independentes.
Podíamos ser levados a pensar que são os críticos do efectivo mau estado dos partidos a promover os chamados independentes, mas não é verdade. São normalmente os mais ferozes aparelhistas, as pessoas que nada mais fizeram do que estar no partidos e a alcançarem cargos através deles os grandes patrocinadores da glorificação do independente. Desta forma, pretendem afastar a fama, e normalmente o proveito, de controlarem completamente os partidos. Por outro lado, quanto menos pessoas com opinião própria e força na sociedade civil ficarem de fora dos partidos melhor aqueles controlarão as máquinas partidárias. O exaltador dos independentes gosta destes longe do partido. E quanto mais qualidades pessoais e intelectuais estes tiverem mais longe os quer.
Mais, um recrutador de independentes é quase sempre alguém que lida mal com os chamados críticos internos, com as pessoas que não receiam exibir posições discordantes da linha oficial.
Os partidos vivem uma profunda crise. Sabemos as razões e as consequências terríveis para a democracia deste facto. Mas não é, de certeza absoluta, degradando constantemente o seu papel que se contribui para os melhorar. E o pior é observar os mais importantes líderes políticos a fazê-lo.