Helen Mirren

A dama que já fez de rainha de Inglaterra e que é celebrada como a maior actriz britânica da sua geração está de volta em <i>Brighton Rock</i>, em breve nos ecrãs. Uma sexagenária com charme que reinventou o poder da sensualidade para as mulheres da sua idade. Em 2011, Helen Mirren está em todo o lado. Uma «dame» total.
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Ilyena Lydia Vasilievna Mironov está à nossa frente numa pequena suite de um hotel barulhento de Toronto. Tem um vestido justo, justíssimo, e sapatos de salto alto, altíssimos. E está à vontade. Sim, este é o verdadeiro nome de Helen Mirren, nascida em Inglaterra há 66 anos, mas filha de pai russo. A boa notícia é que está extremamente bem-disposta. A sua manager conta-nos que está encantada por falar com alguém vindo de Portugal. Deduzimos que é por ter sido em Lisboa que se apaixonou pelo seu actual marido, Taylor Hackford, enquanto a dirigia no deliciosamente fútil O Sol da Meia-Noite. Bingo! Quando nos cumprimenta, suspira e fala logo de Lisboa e dos tempos em que Hackford roubou o seu coração. Um casamento que ainda dura e é um exemplo de longevidade pelos padrões de Hollywood. Mas a Dame Helen Mirren está também de sorriso estampado porque a carreira lhe corre bem. Depois de uma nomeação para o Óscar em A Última Estação, não tem parado. Na altura da conversa, em pleno Festival de Cinema de Toronto, a actriz tinha dois filmes em antestreia, Brighton Rock, o pretexto do encontro, e The Debt, um thriller quase perfeito em que dá vida a uma superagente secreta da Mossad (serviços secretos israelitas). Nessa mesma altura preparava-se para estrear Red-Perigosos, onde contracenou com Bruce Willis, John Malkovich e Morgan Freeman e mais uma vez fazia de dama de acção - era uma ex-espia na reforma. Tudo isto para provar que há excepções para a tese de que Hollywood não quer saber de actrizes acima dos trinta. Helen Mirren e Meryl Streep continuam a reinar. Tanta actividade enche-a de energia: «Por natureza sou a pessoa mais preguiçosa do mundo. Isso faz-me ficar com um sentimento de culpa terrível! Por isso, estou sempre a obrigar-me a trabalhar. Até faz que as pessoas pensem que sou uma workaholic... Nestes últimos dois anos tenho andado muito ocupada. Um actor tem sempre aquela sensação de que nunca sabe quando vai ser convidado mais uma vez e por isso digo sim a muitos projectos. Não aceito tudo... A seguir, espero conseguir descansar um pouco.» Palavras vãs, pois aceitou ser a protagonista de Arthur, a nova versão de Artur - O Alegre Conquistador, clássico dos anos 1980, recentemente estreado em Portugal.

Personagens fortes

Ao longo dos anos, Helen Mirren foi-nos habituando a personagens com uma solidez invulgar. Quase como um padrão, as suas mulheres transpiram força, uma segurança inabalável. Neste novo Brighton Rock, de Rowan Joffe, não é excepção: interpreta a proprietária de um restaurante em Brighton, nos anos 1960. Uma personagem secundária mas que é fulcral num conto de crime e castigo num ambiente de mods, gangsters e paixões fatais, recriando livremente o romance de Graham Greene, escrito nos anos 1930. Mirren é de novo convincente numa obra que sem a sua presença não teria a mesma energia. E a actriz está feliz pelo resultado, ela que faz questão de nunca perder de vista o cinema inglês, mesmo quando é tentada a toda a hora pelo cinema de estúdio norte-americano. Quando lhe perguntamos se é fácil interpretar alguém com tanta autoconfiança, a resposta surge-lhe na ponta da língua: «É facílimo! Confio sempre no meu instinto. Um instinto construído através de uma vida de muita prática e de muita experiência acumulada. Mais do que nunca, agora sei como o meu instinto funciona. Sei que para certos papéis tenho de ensaiar e pesquisar...» Como em A Tempestade, filme que em Fevereiro teve estreia portuguesa em pleno Fantasporto e que tal como Arthur nos mostra a actriz a fazer uma personagem que já foi de Sir John Gielgud? «Sim, exactamente. Nesse filme decidi aprender de cor toda a peça de Shakespeare antes de filmarmos qualquer cena. Durante dois meses não fiz mais nada senão decorar toda a peça. Senti que me perderia se não a soubesse de forma total. Quando sou obrigada a fazer trabalho de casa, faço-o! Quando não é preciso, claro que confio no meu instinto. Para Brighton Rock não pesquisei nada! Aqui deixei-me guiar pela inspiração nas actrizes clássicas italianas, como Sophia Loren ou Anna Magnani, aquelas actrizes fortes que personificavam um ideal de mulher audaz. Falei com o pessoal do guarda-roupa e pedi-lhes que desenhassem as roupas daquela mulher em função do look dessas actrizes. A cor do cabelo também foi muito importante na composição da personagem. Eu queria que fosse uma espécie de ruiva. Obviamente que uma mulher daquela idade teria tendência para pintar o cabelo...» Ao olharmos para trás, percebemos que Helen pode ser camaleónica. Se nos distrairmos, quando a vemos em A Rainha a fazer de rainha Isabel II esquecemo-nos do rosto exacto da rainha. São essas coisas que fazem dela uma grande actriz. Tal como a genica sufocante da empregada de Gosford Park ou a controlada rigidez da sua rainha Charlotte em A Loucura do Rei George, ela que é perita em rainhas - na televisão já foi uma excelente Isabel I, numa minissérie multipremiada sobre a vida desta rainha que no cinema foi interpretada por Cate Blanchett. Recuando ainda mais, as suas transformações ganham maior relevância quando se apaga nas personagens, como foi o caso em Cal, drama erótico sobre o IRA, ou na tentadora personagem de O Cozinheiro, O Ladrão, A Sua Mulher e o Amante Dela, de Peter Greenaway. E foi nesses anos de 1980 que deu já indícios de heroína de acção em 2010 - O Ano do Contacto, uma sequela de 2001 - Odisseia no Espaço. O filme já todos esqueceram, a sua personagem russa nem tanto...

Mulher de armas

Nesta coisa do sucesso depois dos 60, há também coincidências. Por que carga de água lhe vão parar às mãos papéis de mulher de armas? A resposta poderá estar na evidência de que um revólver numa mulher com o seu carisma fica sempre bem. Mas parece que é por acaso: «Antes de Red tinha feito há muito tempo a minha personagem de The Debt, que acabou por estar na prateleira todo este tempo devido à dissolução dos estúdios Miramax. Depois, quando surgiu o convite para estar aos tiros com Bruce Willis, como poderia resistir? Aliás, ninguém resiste a Bruce Willis. Nesse filme eu trabalharia sempre, nem que fosse a limpar sanitas! Diverti-me incrivelmente! Se quisermos, esse foi o meu filme de relaxamento. Adoro estar a ser percepcionada como a rapariga cool. Se morrer amanhã, não me importo que me vejam dessa forma em vez de "prestigiada actriz séria".» Toda esta franqueza leva-nos a querer saber mais sobre as razões por que estava furiosa com a imprensa britânica e ter recusado qualquer entrevista com jornalistas do seu país. Muito calmamente, esclarece-nos por que motivo está tão magoada: «Por ser mulher é-me mais fácil confiar em mulheres. Há uns tempos confiei numa jornalista inglesa e disse qualquer coisa que não era particularmente relevante num evento dos Golden Globes. No dia seguinte estava em parangonas num jornal inglês essa afirmação num contexto completamente diferente. Acredite que nem foi numa entrevista... Mas os jornalistas ingleses, sejam eles mulheres ou homens, passam a vida a fazer batota! E quando não é com ingleses, às vezes, adoro ser entrevistada, sobretudo quando apanho com perguntas que me fazem reflectir sobre o meu trabalho e a minha vida. É durante as entrevistas que articulamos melhor os nossos pensamentos. As entrevistas de promoção aos filmes acabam por ser um instrumento de apoio extremamente importante. Um instrumento cada vez mais importante, sobretudo quando tentamos defender pequenos filmes independentes.» De facto, a actriz respeita imenso os deveres com a imprensa internacional. Há uns anos, deu uma entrevista em Londres à nm deitada numa cama a contas com uma terrível dor de costas. «Lembro-me bem disso, foi a propósito de O Tesouro - O Livro dos Segredos. O que é que posso fazer? Levo isto a sério. Os filmes custam muito dinheiro e gosto de ser responsável. A única maneira de ser decente neste mundo do cinema é tentar ajudar a que os filmes façam dinheiro. Odeio que se desperdice dinheiro... mesmo que esteja com dores nas costas», diz com uma gargalhada. Em seguida, não desfaz o mito de nestes encontros com os jornalistas as perguntas serem todas iguais: «As perguntas são sempre as mesmas, mas habituamo-nos a isso. Faz que nos esforcemos por aparecer com respostas novas. Tento seriamente não ter frases feitas.»

Apesar de muita experiência no melhor do teatro britânico, Helen Mirren é e será sempre vista como actriz de cinema e televisão. Uma actriz que se diz adepta do método Gérard Depardieu. Mas o que é isso do método Depardieu? «Fazer o que está na página do guião. Apenas isso», esclarece bem-humorada: «Para mim não há dilemas morais. Faço o que o argumento pede...» No final da conversa, volta ao tópico do início: «Como está Lisboa? É uma cidade tão especial para mim...»

Fruto selvagem

Conhecida por chocar os padrões da moralidade britânica, Helen Mirren não tem medo da controvérsia. A actriz que recebeu o título de Dame pela rainha surpreendeu tudo e todos quando no seu livro biográfico In the Frame - My Life in Words and Pictures (não editado em Portugal) não escondeu algumas das confissões de cariz sexual, ela que ao longo da carreira nunca receou expor o corpo ou executar sequências eróticas. Para muitos, é um exemplo de como uma mulher madura pode ter uma atitude descomprometidamente sensual. Para ela, a nudez é uma forma de libertação, embora possa ser desconfortável. Quando no ano passado foi a estrela do fracasso Love Ranch (inédito em Portugal), realizado pelo marido, Taylor Hackford, e interpretou uma prostituta de bordel, também causou celeuma quando atacou os frequentadores dessas casas de prazer, dizendo tratar-se de homens com limitações sexuais. Para Mirren, a liberdade de expressão é uma forma de dizer tudo o que lhe vai na alma. Numa das entrevistas promocionais de Love Ranch chegou, inclusive, a criticar o marido por gritar demasiado com a sua equipa de filmagem...

Outra das suas afirmações famosas é gritar bem alto que está feliz por nunca ter sido mãe. Diz que essa foi a forma possível para conseguir ser sempre livre. Talvez por isso esteja constantemente a proclamar o seu amor pela arte da sexualidade, ela que na sua juventude teve problemas com os homens e ainda hoje ataca o sexismo masculino. Quando lhe dizem que é sexy, costuma hesitar e diz que essa percepção se deve à dimensão dos seus seios e que se for sexy será exclusivamente à sua maneira. Ultimamente, não esconde o seu encanto pela perversão de Lady Gaga. Seja como for, Helen Mirren é nesta altura a figura pública que melhor publicita a sexualidade acima dos sessenta anos. E, ao contrário de Cher, não há aqui recauchutagens faciais...

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