Futuro
É já longo o historial de visitas do antigo companheiro musical de Lou Reed, Maureen Tucker ou Sterling Morrisson a solo lusitano. A última vez que isso aconteceu foi apenas há dois anos, perante uma Aula Magna meio cheia. blackAcetate, o novo álbum de John Cale, trá-lo a Portugal no meio de uma digressão europeia (hoje, CCB, 21.00)
A data de Lisboa segue-se à de Liverpool (Reino Unido), não muito distante, portanto, do País de Gales onde nasceu. Mas parte do seu passado musical confunde-se com a cena nova-iorquina de finais de 60 e princípios de 70, quando integrou os míticos Velvet Underground. Todavia, o historial de Cale não pode ser avaliado apenas pelo que fez nesse grupo apadrinhado por Andy Warhol. Se é verdade que foi essa a banda que o deu a conhecer ao mundo, seguiram-se mais de 30 anos de carreira onde não faltaram outros momentos capazes de fazer história.
blackAcetate, o novo disco, denuncia uma carga experimental mais evidente que o anterior Hobosapiens. Há muitas pontas soltas que resultam provavelmente do cruzamento entre a raiz de composição para guitarras que John Cale já ensaiou no passado e os seus novos interesses, que passam por nomes como Dr. Dre, Pharrel Williams (o vocalista dos N.E.R.D.) ou Gorillaz. Todos eles estão curiosamente ligados a fenómenos de televisão, ou pelo menos de imagem, e com uma relação estreita com o público juvenil. Um facto curioso para um músico de 63 anos, com uma escola totalmente distinta.
Sobre o disco, o músico assumiu a vontade, à partida "ser orgânico" mas num contexto "que incluísse novas texturas", como explicou ao DN em conversa ao telefone. Por isso não o considera minimamente electrónico, já que "todos os instrumentos são tocados e não houve necessidade de recorrer a processadores. Aquilo que há é uma série de efeitos durante as músicas que remetem para esse imaginário. Mas todos os ritmos são feitos com uma bateria", reconhece. John Cale assume, no entanto, que houve muito material de cariz funk que ficou de fora. Será o próximo episódio?
Paixões negras. É aqui que entra a sua recente paixão pela música negra. "Quando oiço uma música como o Drop Like It's Hot do Snoop Dogg fico viciado naquele beat. É isso que me atrai no hip hop, a capacidade de sedução de uma batida aparentemente simples". Por outro lado, destaca a energia positiva que este estilo lhe transmite "Há um clima muito mais festivo neste tipo de música e foi isso que quis transmitir no blackAcetate". Daí que refute por completo a ideia de se tratar de um álbum com uma mensagem pessimista. "Não, nem por sombras", diz, entre risos.
Esta preferência poderia fazer supor que John Cale estaria cansado de bandas de rock. A resposta não é definitiva, mas segura "Há bandas interessantes de guitarras, mas por agora estou mais interessado no processo de composição de pessoas como o Dr. Dre. Ele parece uma fábrica de produção musical."
Quando, como termo de comparação, se refere Hobosapiens, confessa que não ficou "muito satisfeito" com esse último disco e que por isso mudou, de certa forma, o método de trabalho. E que processo foi esse, afinal? "Optei por uma maneira mais solitária.Trabalhei no álbum apenas com o co-produtor Herb Graham Jr. e numa canção [Sold-Motel] com alguns músicos, porque é muito mais fácil e rápido ter poucas pessoas em estúdio, onde tentei não passar muito tempo. Comecei a gravar há cerca de um ano, parei e depois retomei-as no princípio do ano. Não demorei muito a terminar o álbum."
E por falar em músicos com quem tocou, John Cale recorda as colaborações recentes com o projecto Trash Palace e Gordon Gano (Violent Femmes). Mesmo aten- to ao presente, não consegue apontar o nome de nenhuma banda, artista ou estilo com quem tivesse preferência em trabalhar. "Estou disposto a tocar com quem me convidar porque essas participações foram muito agradáveis", explica.
Entre o extenso rol de colaborações, uma foi recentemente reeditada entre nós. Trata-se de Wrong Way Up, trabalho conjunto com Brian Eno, um disco histórico de 1990 no qual abraçou como nunca a canção pop, e que reaparece no contexto da reedição integral do catálogo do mestre das músicas ambientais. "Não tenho acompanhado de perto essas reedições, mas, no que toca à relação com o Brian Eno, tenho de reconhecer que ele é fantástico. É uma pessoa excelente, e muito eficaz e metódico no trabalho. Adorei gravar o Wrong Way Up." E reitera a ideia dizendo que "voltaria a trabalhar com ele, sem problemas".
O pesadelo Velvet. Mas se até aqui John Cale falou cordialmente dos temas propostos, quando o assunto toca os Velvet Underground o clima azeda. A propósito da descendência que a banda deixou no rock moderno, o antigo músico do grupo não lhe dá demasiada importância. "Sim, alguns grupos vão atrás disso", é a resposta seca que nos dá.
Mas a amargura ganha forma evidente quando se fala do ponto final que o seu livro autobiográfico What's Welsh For Zen poderia ter colocado sobre o assunto Velvet Underground. "Sim, era esse o objectivo, mas os Velvet Underground são uma vaca sagrada de quem ninguém pode dizer mal. Eu tentei fazer compreender as minhas ideias, mas ninguém me prestou atenção...", lamenta. Pela mesma lógica, o livro poderia ter servido como uma espécie de exorcismo para si. "Talvez", é a única palavra que a questão lhe merece, numa resposta novamente curta e evasiva. E o assunto fica por aqui.
Sobre a sua relação com Portugal, John Cale lembra-se do último concerto na Aula Magna como "muito agradável e ainda hoje presente na minha memória". Mas promete diferenças para hoje. "Vai ser um concerto muito mais forte e intenso, como uma banda", diz. E sobre o alinhamento promete tocar canções do último disco, sem esquecer algumas mais antigas.