FRIO

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O Ano Novo começa com frio, muito frio. O clima parece, assim, querer concorrer com o gelo das notícias sobre a situação económica mundial e a nossa própria situação portuguesa. À escala global ninguém arrisca dizer que a crise já tocou no fundo e quanto tempo vai durar... Entre nós, a certidão de recessão acaba de ser passada pelo Banco de Portugal.

Pode-nos aquecer um pouco a baixa do preço do petróleo ou a queda continuada das taxas de juros. Mas logo é divulgada uma sondagem, feita online, em 22 países, junto de 22 mil pessoas, pelo Ipsos Global Public Affairs que nos recorda que o risco de perder o emprego é a principal preocupação para 41% dos inquiridos, uma subida de 13 pontos desde o ano passado, ultrapassando em muito o segundo tópico assinalado (35% escolheram a pobreza, as desigualdades sociais e o crime e a violência). Estes dados são comuns a praticamente todas as zonas do globo (América do Norte, Europa, Ásia-Pacífico e países do G8), com uma única excepção: na América Latina, a preocupação com o crime ainda ultrapassa o espectro do desemprego.

Como se não bastassem estas notícias geladas, o ano começa, na cena internacional, por duas crises com pesadas consequências humanitárias: a incursão israelita na Faixa de Gaza e o corte dos fornecimentos de gás da Rússia à Ucrânia e consequentemente a vários países da Europa do Leste.

Neste último caso é mais de frio em sentido estrito que se trata. Manifestamente, as relações com a Rússia devem ser uma prioridade da agenda europeia, incluindo as relações energéticas. Moscovo transmite um sinal de infidelidade como fornecedor que não se pode prolongar, sob pena de minar a sua credibilidade nas relações energéticas com a Europa. Mas ao mesmo tempo a dependência de vários países europeus em relação aos fornecimentos da Gazprom debilita a capacidade de definição de uma estratégia própria da União Europeia no seu conjunto.

No Médio Oriente, as imagens do impacto do poderio militar israelita nas populações palestinianas causam- -nos arrepios. Ninguém de bom senso pode negar o direito de Israel a defender-se dos lançamentos de rockets a partir de Gaza, do mesmo modo que, por muita solidariedade que nos mereçam as populações atingidas, não é possível deixar de condenar a táctica do Hamas de fazer dessas mesmas populações um "escudo protector" com as consequências à vista de todos. Mas Israel não pode aspirar a sustentar as suas razões perante um cenário de verdadeira catástrofe humanitária que deliberadamente está a provocar!

Um pouco de alento terá que vir de um imediato cessar-fogo a ser patrocinado pelo Egipto e que a comunidade internacional deve pressionar Israel para aceitar. Mas pesa na consciência dessa mesma comunidade internacional que uma das razões deste conflito assenta na complacência com que se encarou o uso continuado da faixa de Gaza não apenas como plataforma de ataque a Israel mas também como canal de armamento do Hamas nos últimos dois anos.

E na Europa a que pertencemos, depois da presidência empenhada da França na definição de uma resposta conjunta à crise financeira global, é a vez de a República Checa assumir os destinos da União. O Presidente checo, Vaclav Klaus, inaugura a sua presidência com um artigo no Financial Times desta semana onde minimiza a amplitude da crise internacional (que considera muito empolada pelos media), nega a base científica das alterações climáticas, apela implicitamente à não aprovação do Tratado de Lisboa e combate ferozmente a intervenção dos Estados na economia em nome da necessidade de libertar os mercados (cujas responsabilidades na crise seriam sempre menores que a dos próprios governos).

Klaus não dirigirá quotidianamente a presidência da União, mas será ele que dirigirá os dois Conselhos Europeus que ocorrerão no semestre. Aguardamos com curiosidade a que conclusões chegarão essas magnas reuniões presididas pelo mais eurocéptico dos Chefes de Estado da União em vésperas de eleições para o Parlamento Europeu!

E se Klaus tem o mérito de continuar a dizer o que sempre disse, seria bom que as eleições europeias tivessem também o mérito de desautorizar cabalmente os pressupostos políticos dessas declarações.

Até porque quando essas eleições ocorrerem, em Junho, se espera que a onda de frio já se tenha dissipado...

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