Francisco Van Zeller

Os protagonistas da actualidade são semanalmente convidados para uma grande entrevista onde respondem às perguntas do Diário de Notícias e da TSF. Da Política à Economia, do Desporto à Sociedade, todos os entrevistados que realmente contam no espaço público são aqui chamados.Com João Marcelino (DN) e Paulo Baldaia (TSF).Na edição de Domingo do DN, e na TSF Domingo, às 11h10.
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Francisco Van Zeller. Administra uma empresa familiar e é presidente da Confederação da Indústria Portuguesa há 20 anos. Temo-lo ouvido falar de projectos económicos - foi o grande defensor do aeroporto em Alcochete - mas pouco de polítca. É o que faz nesta entrevista na qual fala sem baias. Defende que José Sócrates elevou a fasquia para os primeiro-ministros e diz que não é preciso mais um partido à direita

"Portugal precisa de um governo de centro"

Entre as grandes confederações patronais, a saber: a indústria, o turismo, a agricultura e o comércio, passa para a opinião pública que a pior relação com o Governo é mantida pelos agricultores e que a indústria é a que tem as melhores. Está de acordo com isto? E se estiver, a que se deve?

Estou. Acho que se deve mais ao problema da agricultura, que, de facto, segundo eles, não tem o mesmo apoio que nós na indústria. E queixam-se disso, o queixume principal é a distribuição de verbas comunitárias, nem sequer são nossas, governamentais. Eles têm um motivo de queixa muito grande, nós não temos o mesmo motivo. Temos, como política, não nos esquecermos de que somos parceiros sociais, portanto, temos obrigação de colaborar nas políticas sociais e económicas, e isso passa à frente de tudo. Claro que, quando há motivos de reivindicações e de discórdias, sublinhamos isso, directa ou indirectamente, mas na maior parte dos casos - e isso já pode ser que seja eu, o meu feitio - faço-o por fora, indirectamente, discretamente. Enquanto, lembro-me, o nosso presidente anterior era muito reivindicativo e muito conflituoso. Eu, é uma questão de feitio pessoal, evito os conflitos.

Procura sempre o consenso?

Procuro colaborar com o Governo e encontrar as soluções sem grandes conflitos exteriores.

A opinião pública tende também a acreditar que isso acontece porque os grandes empresários costumam estar muito presentes à mesa do Orçamento do Estado e que precisam do Estado para viver. É isso que também aproxima muito os empresários do Governo?

Não. Nós do que precisamos é de legislação. É nessa parte que colaboramos mais, e é nessa que queremos a intervenção do Estado em paralelo, em parceria. Sabemos o que é preciso para enriquecer, o enriquecimento é para ser distribuído por toda a gente, criação de postos de trabalho, distribuição de lucros, etc., e a legislação, ou o apoio que é necessário para a implementação dessa legislação, essa, sim, precisa de colaboração. E essa é a que prestamos. Nem pensar que estejamos dependentes ou que queiramos estar dependentes do Orçamento do Estado. Uma coisa diferente são os apoios comunitários, os diversos programas, os PEDIP, os QCA e agora o QREN, que são verbas comunitárias para serem distribuídas. Nós colaborámos na feitura dos programas e agora colaboramos na distribuição dessas verbas. E para isso, muitas vezes, reivindicamos regulamentos mais simples, reivindicamos maior rapidez e uma certa flexibilidade na aprecia-ção dos projectos. Portanto, tudo isso, reivindicamos ou colaboramos. Isso já é um bocadinho o balanço que se faz, e muitas vezes é feito a um nível abaixo de nós, nas nossas associações.

Como funciona o relacionamento entre os parceiros sociais na Concertação? A CGTP raramente assina um acordo…

É.

Os empresários já não contam com a CGTP?

Conversamos com eles, é preciso ver que nos encontramos em mais sítios do que ali. Encontramo-nos diariamente nos sindicatos, as empresas e as associações, e, portanto, já sabemos que o comportamento normal da CGTP e dos seus sindicatos é de conflito, é uma questão de princípio.

Diria que são conservadores?

São conservadores nas suas ideias, porque não as querem alterar e não estão dispostos a flexibilizar absolutamente nada, nesse aspecto sim. Mas são sobretudo… Achar que só se ganha através do conflito, ou seja, para que um ganhe o outro tem de perder. Enquanto com a UGT conseguimos arranjar soluções em que ambos ganham, ou que partilham as despesas, no caso de perder, com a CGTP, não! Têm de ser sempre eles a ganhar e os outros a perder, ou vice-versa, o que nos traz um grande problema de dificuldade de acordos. Felizmente com a UGT, e este Governo tem proporcionado isso também, temos feito vários acordos tripartidos, alguns importantíssimos, mas com a pouca colaboração da CGTP, e que faz falta.

Tende a dizer, como o nosso primeiro-ministro, que a CGTP é controlada pelo PCP. É mais fácil o entendimento com a UGT porque é uma organização da órbita do PS?

Metade, metade. Que ela está na órbita do PCP, não tenho dúvida nenhuma. Isso é visível, nós sabemos, sabemos muito bem que cada vez que um sindicato faz qualquer coisa que seja contrária ao Partido Comunista imediatamente há intervenção do partido ou da CGTP, portanto, há um controlo leninista do sistema, tudo para que ele seja dentro dos parâmetros do partido. Aí não há dúvida nenhuma. O feitio das pessoas e alguns elementos da CGTP permitem, são pessoas como nós, alguma conversação e, às vezes, alguma flexibilidade. Não são bichos, são pessoas, consegue-se conversar com eles e encontrar alguns acordos. Eu lembro-me, por exemplo, do Sindicato dos Têxteis do Norte, que tem acordos magníficos com a CGTP porque tem uma pessoa que consegue muitíssimo bem compreender o problema dos têxteis do Norte e flexibilizar situações.

E quanto à UGT?

Com a UGT, também é falso que sejam escravos ou servos do PS, não é verdade. Têm imensas vezes, sei, discussões tremendas com o Governo, mas têm uma posição parecida com a nossa, que é, através da discussão e da negociação, obter o máximo que podem para os seus associados.

Há acordos que se assinam na Concertação sobre determinadas matérias - por exemplo, pela CIP, não estando propriamente interessada naquela solução - mas que têm contrapartidas noutras áreas, por exemplo, apoios às empresas, fora daquela matéria que está ali a ser assinada?

Não. O que pode haver, talvez inconscientemente, é uma criação de boa vontade de que nos sirvamos mais tarde para criar bom ambiente noutras negociações. Mas não é verdade que haja uma troca de favores, digamos assim, não, isso de maneira nenhuma. Há com certeza alguns casos - em temas que não são particularmente para nós - em que somos um pouco flexíveis, e isso cria um ambiente para que possamos ter outras discussões. Mas não é uma troca de favores.

Já consegue ver sinais positivos que indiciem uma recuperação da economia à escala global?

Curiosamente, trago aqui três exemplos que vi hoje, de três áreas do mundo, que são sinais, eu gostava imenso que fosse a tal luz ao fundo do túnel. Um deles é dos Estados Unidos, o aumento de construção de casas novas, que é um dos índices que eles têm mais importantes, porque é o motor da economia de lá, e que em Fevereiro subiu 22%, o maior salto de todos os tempos. Pode ser uma bolha que em Março volte para trás, mas de qualquer maneira é um sinal. O segundo é: pelo quinto mês consecutivo, nos investidores alemães, há mais opiniões positivas do que negativas, ou seja, eles vão investir ou, pelo menos, há uma maioria que quer investir. E, no Japão, um aumento substancial dos serviços de telecomunicações e transportes. Substancial significa, neste caso, 1 ou 2%, mas são indústrias gigantescas. Em Portugal, a única coisa que encontramos é a Siemens, que vai contratar mais 200 pessoas.

E contratar, em vez de despedir, já é alguma coisa. A seguir íamos perguntar-lhe exactamente isso, acha que em Portugal o pior ainda está para chegar?

No desemprego, sim.

Que dados tem a esse nível, o que prevê que aconteça ao longo do ano?

Abrasão, abrasão pura. Ou seja, o tempo levar a que o atraso dos pagamentos, que está a aumentar muito - não é do Estado, mesmo entre empresas -, os atrasos de pagamentos, o cansaço de alguns empresários, as tentativas de recuperação que não deram resultado, acordos que eles fizeram que dariam para seis meses, mas a crise se calhar dura mais do que seis meses. Portanto, a simples abrasão poderá levar…

Mas para uma taxa nos dois dígitos de desemprego?

Talvez não. Mesmo para nós, seria muito difícil chegar lá. Se subir muito acima dos 9%, aíjá começa a ser um problema grande. E é preciso - e nós temo-lo repetido muitas vezes, nós Confederação de Indústria - travar o desemprego de toda a maneira.

Para ultrapassar esta crise é essencial uma cooperação institucional ao mais alto nível. Também pensa que a relação entre o primeiro-ministro e o Presidente da República já viveu melhores dias?

Já.

De quem é a culpa por esse esfriar de relações?

Não sei, eles são pessoas muito diferentes. São também de partidos políticos diferentes. Portanto, com estratégias diferentes. Acho que foi bom enquanto durou, mas que, inevitavelmente, ao aproximar-se as eleições, haveria um caso ou outro que os separasse. Calhou ser os Açores, como podia ser outra coisa qualquer.

E é irreversível? Podemos ter os dois mais uns longos anos nos cargos em que estão.

Mas, atenção, eles não estão zangados! Continua a haver muita colaboração, ouvem-se mutuamente, exactamente porque se completam. Por serem muito diferentes, têm visões diferentes e, se calhar, completam as suas visões. Até agora ainda não houve nenhum prejuízo pelo facto de eles não terem tido acordos com os Açores, nenhum. Continua a haver conversa, continua a haver procura de acordos e de apoios mútuos. Agora, podia ser melhor, talvez.

Deduzo das suas palavras que o Presidente da República tem uma ideia para o País e que poderá querer ajudar a que as soluções governativas sejam outras que não as protagonizadas pelo Partido Socialista. É isso?

Não sei se posso dizer isso. Com certeza que há muitas coisas em que o Presidente da República não concorda com o Partido Socialista, como é natural. E, como qualquer de nós, tem as suas discordâncias. Ele tem mais responsabilidade em fazer impor as suas ideias do que qualquer um de nós. Nós só votamos, ele, não, pode fazê-lo periodicamente. Mas não procura conflitos, isso é verdade, e nós sabemos que sim, que ele não procura conflitos. Ao contrário do presidente Soares, que, esse sim, provocava conflitos para fazer avançar ou para detectar erros, provocar e emendar esses erros. No caso do Presidente, penso que, se calhar, ele vai ter mesmo de intervir em breve.

Para si, então, a maioria absoluta não é algo de que o País precise, mesmo para ter um dia-a-dia saudável em termos de economia.

Isso são perguntas terríveis! Teoricamente, acho que a maioria absoluta é necessária para a estabilidade. Mas é teórico.

Mas já tem prática, três maiorias absolutas em 30 anos de democracia, o que é pouco.

E que, em todos os casos, não deixou o País muito satisfeito com o resultado. Nós vimos quando foi das primeiras maiorias absolutas, depois dos dois períodos, que não deixou o País muito satisfeito: falta de diálogo, essas queixas todas, que depois deu lugar ao Guterres. Depois, maioria absoluta de coligação não conta muito, foi só dois anos, mas agora, actualmente, deixa imensas queixas da maioria absoluta, há muitas queixas! Nós, empresários, valorizamos muitíssimo a estabilidade, e não somos muito políticos. Se perguntar aos nossos empresários se eles querem estabilidade e maioria absoluta, eles respondem que sim.

É hoje mais favorável às obras públicas do que há seis meses?

Sou em absoluto, não são é aquelas! Há muita obra pública absolutamente necessária, e nós sabemos que na reabilitação urbana, por exemplo, há muito para fazer e dava trabalho para toda a gente. Temos as estradas - dentro das estradas, escusam de ser auto-estradas -, há as ligações municipais todas, milhares de quilómetros que precisavam de ser reparados. As escolas que estão em curso, sim senhor, aprovação total. Mais ainda, as escolas vão ter componentes tecnológicas dentro, toda a cablagem metida, energia solar nos telhados…

E as barragens?

As barragens, também. As barragens são um fenómeno, porque têm tudo: mão-de-obra nacional, tecnologia nacional, redução de importações…

Portanto, a sua posição é em relação ao TGV?

Em relação às coisas que não tenham rendimento imediato.

Que são?

É o TGV.

Mas que não é para agora, é uma coisa para fazer a longo prazo.

O TGV, por exemplo, para a Europa, se calhar por uma questão de, como em francês se diz, noblesse oblige. Pertencemos à Europa, temos mesmo de estar ligados à Europa, era incompreensível, a Europa não percebia se recusássemos a ajuda que eles próprios dão para fazer a ligação. Portanto, essa, se calhar, vamos ter de a fazer. E já temos compromissos com a Espanha, aí, gostemos ou não, vamos ter de engolir. O outro TGV para o Porto, provavelmente, pode esperar. Não há dados suficientes, porque ninguém acredita nos estudos que foram feitos pelo Governo, estão desacreditados. Assim, se houver comprovativo de que há saturação das linhas, talvez seja preciso. Não há nenhum comprovativo de que as linhas estejam saturadas; se não estão saturadas, pode-se pôr-lhe em cima comboios de 250 à hora, que reduz o tempo de viagem. Claro que é preciso gastar, porque a linha ainda não está toda reabilitada. E essa é a dúvida. Com respeito ao aeroporto, é igual: terá de ser feito, mas com módulos, por várias razões. Uma delas é que esteja ao alcance das nossas empresas, empresas portuguesas, não queremos gigantismo. A terceira travessia do Tejo [em Lisboa] também é outra loucura, porque, se não se fizer o TGV, não é preciso terceira travessia para nada, a lógica dela assentava no TGV. Essa é a parte que eu gostaria que fosse revista, honestamente, por gente diferente da que fez os estudos até agora.

Não são de confiança as pessoas que fizeram os estudos?

Não é não ser de confiança. Elas têm um certo número de convicções e trabalham com essas convicções.

Mas é o mesmo para quem faz estudos que apontam em sentido contrário?

Há pessoas que apontam em sentido contrário.

Mas essas pessoas também têm convicções.

Exactamente! E, portanto, tem de haver um julgamento, que normalmente é político, que é o que está a acontecer. Estou convencido de que as opções que estão a ser tomadas, no fim, acabam por ter um peso político muito grande, quando deviam ter um peso técnico superior.

Falou do aeroporto, já passaram alguns meses, o senhor esteve no centro do debate político que ajudou a mudar…

Eu gostava que dissesse debate técnico…

Político e técnico, também digo, que ajudou a mudar o aeroporto da Ota para Alcochete. Aí houve uma certa parceria estratégica entre a Presidência da República e CIP. O que nos pode dizer deste processo passados estes meses?

O que lhes vou dizer é que isso é uma opinião vossa, porque não houve parceria estratégica nenhuma. Houve informação?, com certeza que sim, tal como neste caso também há informação ao senhor Presidente da República, como há aos ministros. Não fiz nada sem que o ministro das Obras Públicas soubesse, tudo o que fiz foi sabido pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Obras Públicas antes de toda a gente.

Quer dizer que este estudo de que falou recentemente…

Já está na mão do primeiro-ministro.

Os partidos políticos já querem que vá ao Parlamento, e o Presidente da República, também.

O primeiro-ministro já sabe, e o Presidente da República, também. Todos eles já sabem. E mais: recebi de França um estudo feito muito recentemente, de Novembro do ano passado, sobre os critérios de escolha de grandes obras. É um sistema complexo, mas que existe, e que eu também entreguei em mão ao primeiro-ministro, pedindo-lhe que estudasse aquele assunto, porque era muito bom que o País tivesse um sistema indiscutível sobre o critério de escolha das grandes obras. Que França sentiu necessidade de o fazer, nós, por maioria de razão, precisaríamos de ter também…

O Governo tem tentado ajudar a banca, criou linhas de crédito para as PME, anunciou medidas de apoio às famílias mais afectadas. Acha que isto chega, ou será preciso tomar mais medidas para ajudar as famílias e a economia portuguesa a passar este ano? Acreditando que 2010 poderá começar a ser melhor.

Uma coisa de que nos temos de acabar por convencer todos é de que não vivemos isolados. Portanto, tudo o que o Governo faça depende do que se passa lá fora, por todas as razões. As importações, as exportações…

E acha que o Governo português está em linha com o que se passa lá fora?

Está, de facto, em linha. Por exemplo, esta medida do atraso nos pagamentos das rendas já está na Europa toda. Agora, as actuações sobre os bancos, sobre os apoios directos às empresas, tudo isso é muito coordenado e muito parecido com o que se faz lá fora. Nem podia deixar de ser, porque senão parecia que estávamos a remar em sentido contrário.

E na fiscalidade, é preciso fazer mais?

Era exactamente isso que eu ia dizer. A recuperação no mundo inteiro já foi esquematizada em três áreas: a fiscal, tal como disse; a segunda, que são os apoios directos - são estes de que falámos agora - e a terceira, que são as infra-estruturas, são as obras públicas, que o nosso Governo também já está a preparar.

Os senhores já defenderam a suspensão do agravamento da taxa social única (TSU) para os contratos a prazo. Tiveram alguma receptividade por parte do Governo?

Total. Até penso que o Governo levou essa questão à Concertação porque também queria. De modo que pôs a questão e teve o apoio total de todas as confederações. Era muito difícil dificultar a contratação agora - quando se está a baixar preços, a reduzir custos da TSU -, de repente haver uma subida da taxa social única, por uma política que está certa, que é lutar contra a precariedade, mas que neste instante não é oportuno.

Tem como garantido que esse agravamento não vai existir?

Acordo, houve, na mesa. Penso que o Governo não levou aquilo para ali para se divertir, mas com certeza para lhe dar seguimento. Ainda não vi esse seguimento, mas suponho que sim, que não entrará em vigor.

"PSD está a aumentar a capacidade de ser oposição"

Onde está a direita neste momento?

Acho que está dispersa, não está aglomerada à roda do PSD.

Faz falta um novo partido político?

Não. Falta que ela se aglutine à roda dos que existem. Já há dois, não vamos fazer um terceiro.

Mas a social-democracia nunca foi direita em lado nenhum do mundo.

Sei, mas isso é um nome. Aquele partido tem esse nome, mas não significa nada, nunca significou.

Mas o PSD, neste momento, é uma oposição que aparece como alternativa mobilizadora para esse eleitorado?

Tenta ser. E está a aumentar a capacidade de oposição. Se convence ou não, temos de ver com o tempo. Não me tem convencido, gostaria que fosse uma oposição mais construtiva, não o tem sido.

Lisboa assistiu, na semana passada, a uma das maiores manifestações de trabalhadores em Portugal. Viu-a como o primeiro-ministro?

Exactamente. Por acaso não sou socialista nem especialmente amigo dele, mas devo dizer que vi da mesma maneira: não tem interesse nenhum, não resolve nada, as reivindicações eram dispersas, algumas totalmente infazíveis, não tinham pés nem cabeça muitas delas, insultuosas.

Não viu ali o direito à indignação, que é normal nestas alturas de crise em que as dificuldades afectam as famílias?

Esta crise vem toda ela de fora, o Governo tinha muitas culpas, mas não dá para fazer uma manifestação destas. As culpas dele vêm de trás, algumas, mas esta crise agravou praticamente tudo.

Portanto, não deveria haver manifestações de protesto?

Pode haver! Pode é não ter a ressonância que eles pensam que tem. Eu acho que não tem, para nós, patrões, não tem nenhuma.

O poder político, o poder económico, deve fechar os olhos à manifestação?

Não! Se cada um olhar para lá. E veja se aquilo tem algum interesse para a sua actuação: No nosso caso, não tem nenhuma! Na indústria, estamos numa situação tremenda, em que aquele desfile não ajuda em nada nem nos dá nenhuma ideia de como resolvemos o problema. Nenhuma! Aumentar salários, não se pode fazer nada; pagar o desemprego mais longo pode não ser possível. Não há ali nenhuma ideia contida que possa ser aproveitada.

"Ainda estamos muito dependentes do Governo"

Em Portugal, os gestores deveriam baixar os salários em tempo de crise?

Não sou gestor neste instante e, portanto, não sei o que faria se fosse gestor. Penso que - embora seja inútil, porque o valor distribuído por muitos não dá nada - era um exemplo e, sobretudo, dava autoridade a quem o faz. A minha resposta é sim. Tenho dificuldade em pronunciar-me, agora, visto de fora, acho que sim. Estando lá dentro, se calhar não.

O défice externo é um dos principais problemas do País?

É o principal.

E isso tem que ver com as exportações. Como pode Portugal aumentar as exportações?

Voltamos atrás, sermos mais competitivos…

E descobrir novos negócios, que façam sentido no mercado global. Sente que isso está a ser feito no tecido empresarial?

Está! Temos o exemplo da Venezuela, nunca ninguém se tinha lembrado de ir fazer negócios à Venezuela, na dimensão que nós estamos a fazer ou que está projectado fazer-se. A Líbia, quem é que começou com a Líbia? Praticamente fomos os primeiros.

Mas está a ver a economia portuguesa a gerar produtos que sejam atractivos para o mercado global?

Sim. E serviços, não é só produtos. Muitos desses trabalhos são serviços, e são iniciativas que não se tinha pensado, como, por exemplo, construir supermercados na Venezuela.

Para terminar este ponto: no futuro, nunca mais teremos o poder político desfasado dessa tarefa de abrir novos mercados à economia portuguesa?

Penso que não. Neste instante, está-se organizado de modo a que haja essa dependência. Agora, pode é o contrário, a privatização da AICEP. Nada impede que a AICEP passe a ser um organismo privado, parceiro de todos nós.

Veria aí alguma vantagem?

Nesta fase não. Porque ainda estamos muito dependentes de vontades do Governo. O sistema português ainda está muito dependente das autoridades.

E seriam as confederações patronais a assumir esse papel?

Por exemplo. Ou as empresariais, as AIP, que têm muita capacidade para o fazer também. Essas não são patronais, mas têm muita capacidade para o fazer. Já houve ideias e já se falou nisso. Neste instante talvez não o advogasse, até porque eles estão com um trabalho enormíssimo e muito bom, mas que ainda depende muito do Governo e de apoios do Governo.

"Sócrates subiu o nível do que é um primeiro-ministro"Como avalia a acção de José Sócrates como primeiro-ministro de Portugal nestes quatro anos?

Há pouco tempo estive a falar sobre isso, e o que achei foi que ele subiu o nível, a fasquia do que é um primeiro-ministro em Portugal. Subiu muito.

Subiu em relação ao Governo anterior?

A tudo que a gente conhecia.

Mesmo ao período de Cavaco?

Sim. Porque a coragem com que se atirou aos grupos de poder, a enormíssima vontade com que se atirou para reformar várias áreas tão enquistadas na sociedade. Não quer dizer que tenha conseguido, mas demonstrou o que deve ser um primeiro-ministro. Tem de ser reformista, às vezes com violência, tem de procurar novos programas, novas ideias, atirar-se a todas as situações estabelecidas sem medo e ganhar ou perder. Ele subiu muito a fasquia, e qualquer outro primeiro-ministro que exija menos do que este não vai longe.

Deixe-me ver se percebi: José Sócrates é melhor primeiro-ministro do que foi Cavaco no seu tempo?

Não, porque os resultados não deram isso. Primeiro, porque ele não teve as mesmas condições de Cavaco, que teve muito dinheiro e condições fantásticas para governar. Não teve as mesmas condições, e, portanto, não vai ter os mesmos resultados. Além disso, teve um defeito muito grande - que nós chamámos ao princípio determinação e que agora chamamos teimosia - em não querer mudar certas opiniões que ele próprio acha que são de determinação, e que não são! É, obviamente, não querer ouvir e ser teimoso. Mas teve o que mais nenhum primeiro-ministro teve - a capacidade de enfrentar e a iniciativa, dele próprio, de enfrentar muitas lutas, muitos problemas e muitas situações estabelecidas. E isso, para mim, é o modelo do que o novo primeiro-ministro tem de ser: muito mais liderante, mais confrontador, mais exigente em relação ao Governo.

É por esses elogios que vêm da direita que José Sócrates tem problemas à esquerda dentro do seu próprio partido, não acha?

Não, porque ele podia fazer isso tudo por reformas sociais. Não há nenhuma razão para que esta energia toda não tenha sido usada para reformas sociais, ele resolveu estas, que estavam mais em falta e, de facto, estavam. Porque, quanto a reformas sociais, desde o 25 de Abril, também já havia muitas. Portanto, era uma situação que não precisava tanto de intervenção. Aliás, fez a reforma da Segurança Social também, do subsídio de desemprego, fez várias reformas da área social profundíssimas através de um ministro que é também muito reformador.

Vieira da Silva?

É o Vieira da Silva. E dos secretários de Estado, não esquecer, que são magníficos os dois. Sócrates, vendo que tinha um ministro muito bom nas áreas sociais, dedicou-se ele próprio e os outros ministros às áreas económicas e que precisavam de mais intervenção, e que continuam a precisar, como nós vemos. Nós temos uma economia muito débil ainda.

Os candidatos a lugares políticos têm direito a dispensa no local de trabalho enquanto decorrem campanhas. Este ano há três actos eleitorais e, portanto, dezenas de milhares de candidatos. A CIP já mostrou preocupação com este facto, só que é preciso um entendimento entre o PS e o PSD. Dupla pergunta, já falou com eles? Acredita que vai haver uma solução para este problema?

Este problema foi levantado já em 2003, e em 2003 encontrou-se uma solução. Depois é que se descobriu que não era viável, porque não podia ser implementada via Governo, tinha de ser via Parlamento, e parou aí. Neste instante, o problema está entregue ao ministro, que conhece o problema e concorda que ele tem de ser revisto, tal como em 2003 concordou, tanto que tinha a proposta de lei preparada. Neste caso, entregámos-lho para ele fazer o que puder no Parlamento. Eu acho que a situação é de tal maneira óbvia que não precisa de grande intervenção nossa, nós demos os números, o caso; demos todos os cálculos possíveis, entregámos. Ele já conhece o problema muito bem, agora confiamos neles para poderem fazer o que puderem na Assembleia da República.

Tem preferências partidárias, ou a cada eleição escolhe o partido em que vota?

Não, eu voto sempre à direita porque sou de direita, naturalmente.

Portugal precisa de um governo mais à direita?

Não. Precisa de um governo de centro, porque há muitos problemas sociais neste instante que têm de ser olhados com muita atenção, e, não sei porquê, acha-se que só a esquerda é que olha para os problemas sociais. Mas, de facto, neste instante tem de ser um mix a acudir à economia, por um lado - e diz-se que a direita é melhor para isso -, e acudir, aí com muita atenção, aos problemas sociais, que normalmente é terreno reservado à esquerdas.

Fazer um esforço para evitar despedir

A meio de Fevereiro, reuniu-se o Conselho Nacional da CIP, e a direcção ficou de juntar as queixas dos empresários num documento para ser entregue ao Governo. Já foi entregue? Quais as queixas mais frequentes dos empresários?

É muito diverso. E nós tivemos dificuldades em fazer esse documento porque havia muitos problemas sectoriais: abastecimento de matérias-primas, seguro de crédito; também havia o custo de crédito, dificuldades nas negociações colectivas, os custos da electricidade…

Mas já têm conclusões a esse nível de cada um dos sectores?

Não se pode nunca chamar de conclusões, o que fizemos foi juntar diversas queixas de diversos sectores para os unificar por ministérios. Portanto, tudo quanto diz respeito ao Ministério das Finanças, ao Ministério da Economia, ao Ministério do Trabalho, e juntámos dessa maneira. Ficou, digamos, despersonalizado, não se sabe qual o sector que reivindicou esta medida ou aquela, porque foram juntas todas por ministérios.

Mas isso não cumpre um dos objectivos que a CIP se tinha proposto, de tentar encontrar soluções específicas para problemas específicos, sector a sector?

Infelizmente, não. Porque os pedidos - a maior parte deles - são de curto prazo, quase todos. A visão que os empresários têm agora é de se salvar este ano, e pouquíssimas propostas vieram estruturais. Ou nenhumas, devo-lhe dizer, são quase todas para se salvarem…

Nesta situação de crise, faz sentido pedir aos empresários, aos gestores, que façam esforços para manter o emprego?

Faz.

Ou seria mais corajoso aproveitar este momento para, de uma forma um pouco mais brutal, sanear as empresas?

A minha consciência social é que nós temos de fazer um esforço enorme para evitar despedimentos, esse é o princípio, e não é só ético. Até é um pouco egoísta, porque, se nós chegarmos ao tal valor dos 10% de desemprego, vamos todos ter de pagar, porque o nosso sistema da Segurança Social não é elástico. Provavelmente alguém teria de pagar este desemprego. Não é só uma questão ética, porque o desemprego é horrível…

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