Férias

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Andávamos há cinco anos para tirar férias. Não daquelas que costumamos tirar: três dias de computador ao colo, enquanto os amigos e a família vão saltando à borda de água:

- Vá, deixem isso agora, seus stressadinhos!

(Como se de facto deixar o trabalho de lado fosse uma escolha.)

Umas férias a sério, no fundo: sem computador, sem e-mail, sem telefone. Com um telefonema para casa a meio, talvez - mais para gozar o eco da distância do que para saber das saúdes. Umas férias em que escrevêssemos um postal.

Há cinco anos que não escrevemos um postal.

Falámos de tudo: da Toscana, da Provença, da África do Sul. Falámos de lugares que queremos visitar, como São Tomé e Príncipe, de lugares onde não nos passa pela cabeça voltar, como as Caraíbas, e até de lugares por que talvez tivéssemos de nos endividar, como o deserto australiano, o pampa, os campos de golfe da Carolina do Sul.

No fim, acertámos numa cottage britânica. Durante semanas, sentávamo-nos para jantar e não falávamos de outra coisa. Eu queria visitar a Cornualha, por causa dos romances de Conan Doyle. A Catarina preferia Dorset, por causa das fotografias de Marte Marie Forsberg.

Amigos falavam-nos dos seus lugares britânicos: as montanhas de Gales, as ilhas escocesas, o Sul da Irlanda. Nada nos interessava: conhecíamos quase tudo isso, eu ou ela, e em qualquer caso queríamos umas férias nossas. Nem fotografias pretendíamos tirar: o silêncio bastava-nos. Talvez levássemos o Melville.

Foi o André que estragou tudo:

- Ah, queremos ir para o campo... Portanto, continuamos totalmente urbanos, não é assim?

Para a semana arrancamos para Praga, onde passaremos oito dias a beber cerveja, a ouvir jazz e a tentar arrancar Kafka à estranheza. Mas até ao fim haveremos dizer que foi por não termos encontrado uma cottage livre.

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