Felipe VI
Na capa da primeira edição da imortal obra de Thomas Hobbes, Leviathan (1651), vislumbra-se uma figura majestática gigantesca. Enverga a espada e o báculo episcopal, significando a reunião dos poderes temporal e religioso. O seu corpo projeta-se sobre cidades e campos de cultivo, adivinhando-se numa longínqua linha do horizonte uma paisagem litoral com velas enfunadas. Com um olhar mais atento aos detalhes percebemos que, afinal, a figura do monarca é composta por um número indeterminado de minúsculos corpos humanos, entretecidos como a cota de malha dos guerreiros medievais. Em 1651, Hobbes queria dizer aos reis que o seu poder implica sempre um "contrato social" (social compact), e que é do povo que deriva o poder dos soberanos. Mais, os reis eram os rostos do Estado, esse "deus mortal" (mortal God), construção frágil por excelência. Essa capa sintetiza tudo aquilo que se pode esperar de Felipe VI, o futuro Rei de Espanha. Já sem uso direto da espada ou do báculo, a sua tarefa consiste em ser o rosto firme mas sereno, onde se podem reconhecer os cidadãos, mas também as autonomias políticas. Felipe VI deverá ser hoje um dos mais bem preparados dirigentes políticos europeus. Ele sabe que ser Rei constitucional de uma união de repúblicas, procurando alargar ainda mais os seus poderes próprios, numa Europa percorrida por ventos secessionistas, implica um exercício impoluto de virtude política para merecer a confiança do imaginário popular, em que se funda a unidade dos Estados. Ao contrário dos últimos anos de Juan Carlos, Felipe VI saberá que no Rei de Espanha a máscara e o rosto são uma e a mesma coisa. Os portugueses só lhe podem desejar boa-sorte.