Esculturas
No limite, a obra de arte é o próprio momento. O momento em que se executa a acção pedida pelo artista, se cristaliza essa acção através de uma fotografia, se observa o que foi registado. É então que tudo regressa ao tal momento inicial. Reinventado. E é nessa intersecção de tempos, entre o ridículo e a interrogação política, que vivem as esculturas de Erwin Wurm - o aclamado artista contemporâneo austríaco que hoje inaugura uma exposição no Museu do Chiado, no âmbito da bienal LisboaPhoto.
"Estou interessado no fracasso, nas fraquezas, no embaraço e no ridículo, coisas que também fazem parte da nossa sociedade mas que não gostamos de mostrar", começa por dizer ao DN o escultor que, desde os anos 80, tem abordado questões filosóficas e artísticas, como as teorias de Adorno, recorrendo a coisas prosaicas e à participação das pessoas.
Desde a sua primeira obra, o vídeo 59 Positions, que Wurm (Bruk, 1954) tenta "aproximar o discurso da arte da mais absoluta familiaridade e do quotidiano, através de coisas muito rápidas, apenas supostamente rebuscadas", explica Sérgio Mah, comissário-geral da bienal. Exibida no Chiado, essa peça mostra, literalmente, camisolas com pessoas dentro. Numa espécie de coreografia.
As fotografias surgiram das imagens desse vídeo, conta Erwin Wurm. Uma "coincidência" que o levaria a explorar este meio, em polaroids ou grandes formatos. "Os fotógrafos não as levam a sério, mas também nunca estive interessado na fotografia", avisa logo. O que lhe interessa é introduzir o factor tempo na escultura, mas não a transformar num objecto de arte que dure para sempre. Por isso, recorda, fez um contrato com o museu suíço Kunstmuseum St.Gallen "compraram algumas peças da minha série de camisolas, mas têm de as deitar fora ao fim de 20 anos e comprar outras novas. Para que estes objectos não se transformem numa curiosidade de época, como acontece com os 'secadores de garrafas' de Duchamp."
Da famosa série One Minute Sculptures, Wurm trouxe do seu estúdio de Viena 27 imagens. São pessoas em situações caricatas, voluntários que aceitaram ser fotografados "sentados" em vassouras, "derrubados" por malas, com alguidares, vegetais ou caixas de cartão. Por vezes em desequilíbrio, como também sucede no vídeo Memory, em que objectos e acções banais desafiam as leis da gravidade, um trabalho que "não é sobre a memória mas sobre a participação da memória no espaço quando o vemos", refere o artista.
Através de situações insólitas como as que reproduz em grandes formatos (realizadas em Taipei e Cahors ou em quartos de hotel da Austrália a Los Angeles), Wurm interpela o espectador no sentido de uma leitura política ou social. "Não são apenas objectos quotidianos, com eles tento abordar também questões como o sistema de saúde, os cuidados com o corpo, as dietas, a higiene ou o exercício."
O corpo e a sua relação com a transformação do volume na escultura é, de resto, o mote de Fat Houses e Fat Cars, réplicas em tamanho real de casas e carros "gordos", feitos em poliuretano, símbolos da "nossa riqueza, bem--estar e confiança" já exibidos na Bienal de Sevilha e nos EUA. Numa obra que evolui para campos diferentes, Wurm já deixou a fotografia para se concentrar na arquitectura e apresentará daqui a dias, na Bienal de Veneza, um Guggenheim "a derreter".
Tal como tem feito nos vários museus por onde passou - do Palais de Tokyo, em Paris, ao ZKM de Karlsruhe ou Museu de Arte Contemporânea de Sydney -, também em Lisboa o artista apresenta a série The Idiot vários pedestais com objectos (uma cadeira de Pedro Silva Dias, uma mala de mulher ou três panos de limpeza) e desenhos com instruções, para o visitante recriar a obra durante um minuto. A performance será registada em polaroid pelos seguranças do museu e, quem quiser que a imagem seja validada como obra de arte, pode enviá-la pelo correio juntamente com 100 euros.
"Quero que as pessoas se transformem numa peça verdadeira, seguindo as minhas instruções. Sentimo-nos imediatamente com incertezas, estranhos, e isso é parte das peças, essa coisa provocatória da incerteza, do ridículo, do não saber o que acontecerá. As coisas estúpidas sempre exerceram esse fascínio", declara o artista. Reconhecendo que "alguns apenas querem provar que são cool ao fazerem coisas loucas, como o gerente de um banco que pôs espargos no nariz e quis ser fotografado. Outros ficam mesmo zangados e pensam que é um insulto, sentem-se provocados". As reacções estão em aberto até 18 de Setembro...