ENXAQUECAS
Calcula-se que haja pelo menos 150 tipos de cefaleias (vulgo, dor de cabeça) no «catálogo» da literatura médica. Embora as cefaleias possam ser um sintoma secundário a uma patologia (perturbações oculares, pós-traumatismos cranianos, infecções ou, raramente, tumores cerebrais), as cefaleias primárias são as que afectam um maior número de pessoas. Neste grupo, destacam-se as cefaleias de tipo tensão, a enxaqueca e a cefaleia em salvas.
A enxaqueca - à cabeça, um dos tipos de cefaleia mais frequente - afecta aproximadamente 12 a 15 por cento da população. Para o presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias, Jorge Machado, «cerca de três quartos das pessoas que sofrem de enxaquecas têm um familiar de primeiro grau atingido pela doença», já que se trata de uma patologia com um forte pendor hereditário. «Até há bem pouco tempo, só a enxaqueca hemiplégica familiar tinha o defeito genético perfeitamente identificado.»
Em 2010, um estudo (o primeiro trabalho a identificar os genes responsáveis pelas formas comuns de enxaqueca) mostrou que uma variante genética no cromossoma 8 estava associada a um risco de sofrer de enxaqueca, particularmente com aura.
«A enxaqueca é mais do que uma simples dor de cabeça, já que se trata de uma doença cerebral frequente e incapacitante», fundamenta Jorge Machado. Na opinião deste especialista, as vítimas de enxaqueca, além da dor intensa e latejante, apresentam um agravamento do quadro clínico com a exposição à luz, aos sons mais estridentes ou a odores fortes.
Embora a enxaqueca com aura (em que há um conjunto de alterações visuais, sensitivas ou perturbações da linguagem) não seja a mais frequente (afecta um terço das pessoas que têm regularmente esta dor), não deve ser menosprezada. A propósito desta patologia, a Organização Mundial de Saúde considera que «um dia com uma enxaqueca severa é tão incapacitante com um dia com tetraplegia (paralisia dos quatro membros)».
Dado o grau de incapacidade provocado por esta dor latejante, Jorge Machado refere que esta situação tem uma repercussão em termos económicos. Embora na matemática dos custos sociais e pessoais os gastos na farmácia entrem em linha de conta, o médico indica que têm de ser contabilizados os prejuízos com «o absentismo e, principalmente, a diminuição da rendibilidade do trabalho».
Mulheres são mais afectadas
«A enxaqueca é mais frequente no sexo feminino (na proporção de três para um homem), sendo mais prevalente no período fértil, ou seja, entre a primeira e a última menstruação», esclarece o neurologista. «Algumas mulheres têm maior probabilidade de ter crises no período menstrual. Mas, curiosamente, há redução marcada das mesmas na gravidez.» A justificação é simples: «A flutuação dos níveis de estrogénios parece um potente factor desencadeante das crises de enxaqueca. A grande maioria das mulheres deixa de ter crises de enxaqueca após a menopausa.»
Segundo o neurologista, o uso de contraceptivos orais - em particular, a pílula - dada a probabilidade de aumentarem a ocorrência de acidentes vasculares cerebrais, está contra-indicado para mulheres que sofrem de enxaquecas. «A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que as mulheres com enxaqueca sem aura [não apresentam sintomas visuais e perturbações da linguagem] com idade superior a 35 anos não deverão tomar anticoncepcionais orais e que as mulheres com enxaqueca com aura nunca os deverão tomar.»
Detonadores da dor
De acordo com o presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias, «a causa da enxaqueca é seguramente genética», já que «o cérebro fica mais sensível a determinados factores», situação que não se verifica em pessoas menos susceptíveis. Os «detonadores» da dor de cabeça são, para Jorge Machado, os seguintes: «stress, alterações do sono e factores hormonais».
Embora a ingestão de café seja usada como «tratamento das crises de enxaqueca», o especialista explica que «o seu abuso poderá conduzir ao aparecimento de crises por abstinência». É o acontece, principalmente ao fim-de-semana, quando há uma alteração da rotina diária: «Neste período, o primeiro café é tomado algumas horas mais tarde, pelo que a abstinência [fora do horário a que geralmente é ingerida a cafeína] poderá ser responsável pelo desencadeamento de uma crise.»
Cuidado com os medicamentos
Contrariamente ao que se possa pensar, a medicação utilizada para tratar as cefaleias (principalmente, se for em excesso) poderá ter um efeito inverso: em vez de aliviar a dor pode agravá-la. «Em causa estão as cefaleias por abuso medicamentoso, representando um grupo muito importante, não só pela sua frequência, como também pelas dificuldades de tratamento.»
Na perspectiva do especialista, «os medicamentos para a crise não deverão ser utilizados mais de duas vezes por semana. É importante realçar que quando os doentes têm mais de duas crises por mês deverão fazer medicação preventiva. Está indicada em cerca de um terço dos doentes com enxaqueca, mas só uma minoria é que cumpre este preceito».
No campo da prevenção, através de medidas farmacológicas e não farmacológicas, é possível evitar o aparecimento de uma crise de enxaqueca. «Recomenda-se a adopção de um estilo de vida saudável (com a realização de uma actividade física regular, higiene do sono, não abuso de álcool e de tabaco e alimentação diversificada)», advoga Jorge Machado. Como profilaxia, os neuromoduladores, os betabloqueantes, os antagonistas do cálcio e os antidepressivos, entre outros, são as armas terapêuticas capazes de adiar ou reduzir a incidência da dor associada a uma crise de enxaqueca até cinquenta por cento.