Efemérides

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Nos tempos que passam, de austeridade e consabidas dificuldades colectivas, invocar eventos históricos pode parecer uma tentativa de fuga à realidade. Esta semana deu-nos dois pretextos para assim proceder: a celebração do Dia de Portugal, ontem, e, amanhã, a comemoração dos 25 anos sobre a data de assinatura do Tratado de Adesão do nosso país às Comunidades Europeias.

Mas qualquer das duas celebrações nos reenvia de volta para aquilo que somos hoje, para os valores que definem a nossa identidade como povo e como País e para as aspirações que colectivamente acalentamos. O mesmo é dizer, de volta à crise!

Estas comemorações não devem ser vistas como invocações nostálgicas de um passado de grandiosidade por vezes mistificada ou de um futuro que poderia ter sido… mas não foi!

Invocar factos, acontecimentos, movimentos colectivos ou decisões individuais do passado tem sempre a relevância de colocar em perspectiva as questões da actualidade. Com efeito, num mundo dominado pela instantaneidade, pelos cálculos de curto prazo, por uma sofreguidão de viver a vida ao minuto, as celebrações históricas constituem uma ocasião única para nos libertarmos da obsessão pelo imediato e para sentirmos de forma mais premente as responsabilidades, transmitidas ao longo de gerações, pelo nosso devir colectivo.

Das experiências do passado resulta que a aposta no imediato, no efémero avolumado pela retórica política ou pela pressão mediática, está muitas vezes na base de grandes erros que depois se pagam durante largas décadas. Por contraste, quando existe rasgo de futuro e uma visão clara das prioridades, as nossas decisões colectivas podem abrir caminhos novos de que apenas mais tarde colheremos os benefícios.

Neste segundo grupo está, sem dúvida, a decisão (então corajosa e arriscada) de aderir às Comunidades Europeias. Decisão essa que invoca o incontornável nome de Mário Soares.

Passado um quarto de século sobre a cerimónia de assinatura da adesão no Mosteiro dos Jerónimos, basta comparar o país que éramos com o país que somos para compreender todo o alcance da visão que nos levou a trilhar e a persistir, no caminho europeu, mesmo quando eram abundantes as previsões catastrofistas das transformações que tal caminho nos imporia.

Pode parecer desajustado que se faça aqui esta referência no preciso momento em que vivemos uma crise financeira e económica de enorme gravidade e em que algumas das más notícias que recebemos nos chegam precisamente da Europa a que aderimos há 25 anos e em que alastra o sentimento de que a União Europeia está aquém do que dela seria de esperar em termos de resposta e superação da crise…

O mais fácil será fazer da União Europeia o bode expiatório dos nossos problemas actuais! Mas na realidade as causas profundas desses problemas radicam antes do mais cá dentro, tanto no que fizemos como sobretudo naquilo que não fizemos durante estes 25 anos!

Os tempos difíceis que a Europa vive e pelos quais nós, portugueses, também passamos de forma sofrida voltam a exigir que nos saibamos elevar acima do imediato, da obsessão pelo instantâneo e pelo mero curto prazo. Exigem visão, liderança, clareza nas prioridades e capacidade de mobilização para a acção, seja no plano europeu seja no plano nacional.

O que passa tanto por um novo impulso no processo de integração europeia de que somos participantes há 25 anos como pela consciência de que, ao fim de um quarto de século, se inicia um novo ciclo dessa nossa participação que forçosamente terá características diferentes do antecedente. E não sendo possível contar, neste novo ciclo, com facilidades equivalentes às de que usufruímos neste passado recente, convém, contudo, resistir à tentação de pensar que existem alternativas à integração europeia que pudessem tornar o nosso caminho colectivo menos difícil ou doloroso!

Podemos, por isso, começar por preservar e renovar a base política de apoio ao acto levado a cabo há 25 anos naquela manhã no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, em 1985.

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