Editorial

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Os 115 cardeais escolheram não escolher.

E fizeram Papa o homem que durante um quarto de século foi a sombra de João Paulo II. Como se, optando por essa não escolha, estivessem a interpretar um testamento não escrito do Papa que os nomeou, a quase todos eles, os cardeais do conclave. Como se a resposta da sucessão estivesse na própria composição do colégio eleitoral. Aquilo a que em jargão político se chama a vitória do aparelho.

Esta sucessão por dentro, quase interina, é cómoda. Entre os vários movimentos que se desenharam nas vésperas do conclave, os cardeais optaram pela continuidade, numa aposta de aparente consolidação do pontificado anterior.

Mas esta não escolha comporta mais riscos que oportunidades para a Igreja Católica.

Desde logo, pela incapacidade para arriscar e inovar que tal decisão simboliza de forma flagrante. É legítimo que uma instituição milenar, assente em dogmas, cultive comportamentos e ritmos indiferentes aos tempos mediáticos, de grande aceleração, em que vivemos. Mas também é legítimo que nessa atitude se vejam sinais de falta de resposta para a complexidade do mundo. A eleição de ontem representa, isso sim, um fechamento da Igreja sobre si mesma.

A tentativa de prolongar o pontificado de João Paulo II por interposta pessoa enfrenta outra dificuldade - a Ratzinger faltam claramente o carisma e o magnetismo do seu antecessor. E o grande sucesso mediático de Karol Wojtyla assentou mais na sua imagem pessoal do que nas ideias que perfilhou. A Igreja, por mais específica que seja, não foge às leis do mercado.

Amputada, aparentemente, dessa mais-valia da imagem, com que fica a Igreja de Ratzinger? Precisamente com as ideias de Ratzinger, e esse foi o maior risco assumido ontem pelos cardeais. Um risco que, admita-se, comporta uma elevada dose de coragem.

No último quarto de século, o cardeal Ratzinger esteve à frente da congregação herdeira do Santo Ofício e fez jus à tradição da instituição. Os textos que publicou e aqueles em que terá influenciado o Papa são de uma profunda intolerância face aos costumes, à ciência, e mesmo às correntes menos ortodoxas da própria Igreja.

A postura doutrinária radical de João Paulo II deu frutos e terá sido uma resposta adequada ao tal "relativismo" que Ratzinger agora critica. Mas a Igreja, com a sua sabedoria consolidada ao longo de séculos, há-de perceber que os complexos problemas do mundo de hoje necessitam de respostas dinâmicas. Ratzinger não parece ter o perfil e a energia para dar os "pequenos sinais" por que muitos esperam, dentro e fora da Igreja.

A Igreja, com a sua

sabedoria consolidada

ao longo de séculos,

há-de perceber que os complexos problemas

do mundo de hoje

necessitam de respostas dinâmicas. Joseph Ratzinger não parece ter o perfil

e a energia para dar os "pequenos sinais" por que muitos esperam, dentro

e fora da Igreja

Os riscos deuma não escolha
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