Déjà vu
A jornada prosseguiu como quem segue um guião testado e ensaiado. Lá dentro, no Parlamento, desfiaram-se declarações políticas de encerramento a favor e contra o OE 2014, cada qual estribando-se, sem novidade, nos argumentos que os seus autores já haviam martelado na véspera. Surpresa, algo hiperbólica, só a evocação da submissão aos Filipes de seis décadas. Esperou-se, quiçá, no momento da aprovação solene do documento, que o ministro da Administração Interna tivesse convocado aos passos perdidos a banda da GNR, para inundar a sala com os acordes heróicos do Hino da Restauração.
Cá fora, a CGTP voltava às ruas, pela enésima vez, contra a política de prolongamento da austeridade. Registo cansado: três anos a ver a vida a andar para trás, com mais outro em perspetiva, não matará - mas mói muito e mói muitos. Traço de união entre um ritual e outro, a gritaria nas galerias ganha também ela foros de normalidade nos tempos soturnos que nos envolvem.
Em termos substanciais, o Governo e a maioria já cantam como sua a vitória de ver dentro de sete meses a troika pelas costas. Justamente os mesmos que durante meses clamaram aos gritos pela sua vinda, por ser essa a única forma de "endireitar" o País; usando-a, ao mesmo tempo, como alavanca para saltar para a garupa do Poder. Os mesmos que juraram querer ir além do memorando de entendimento na reformulação de cima a baixo de funções e estruturas do Estado, desaguando, 28 meses volvidos, no plácido borrão de um novo programa de governo de centro-direita para a próxima legislatura.
O PS nada diz de substancial que anime e mobilize. O PCP resiste, dá voz à indignação nas ruas até uma mirífica vitória final, que ninguém vê chegar. E o que mais conta é ver agora qual será a resposta de consumidores e investidores a este OE 2014.
Não esquecer a Síria
O argelino Lakhdar Brahimi é um diplomata incansável, apesar de estar prestes a fazer 80 anos. Mas o homem que foi enviado especial da ONU para a África do Sul no período que antecedeu a eleição de Mandela em 1994, e para o Afeganistão, antes e depois dos atentados de 11 de setembro, parece ter no conflito sírio uma missão em que nem a sua experiência garante resultados. Não por ausência de empenho ou conhecimento, mas sim por falta de vontade dos beligerantes, sobretudo agora, dos rebeldes, demasiado divididos entre moderados e os pró-Al-Qaeda.
Ao fim de 31 meses de guerra civil, com 120 mil mortos e milhões de refugiados, o regime de Bashar al-Assad cedeu na questão das armas químicas (pressionado pela Rússia e ameaçado pela América), mas poucas cedências mais fará. E os opositores, que pareciam destinados à vitória numa fase inicial, chegam agora a combater entre si.
Porém, todas as pressões devem ser feitas pelos aliados dos dois lados para a realização da conferência de paz batizada de Genebra 2. O que se passa na Síria é tão bárbaro que até voltou a haver casos de poliomielite, doença confinada antes a três países, nenhum do Médio Oriente.