Crime informático

A proposta de lei peca por algumas omissões importantes, sobretudo na investigação criminal
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A actual lei dos crimes informáticos data de 1991. O mundo mudou muito desde então e a criminalidade informática tornou-se muito mais complexa. Acresce que foram entretanto aprovadas uma convenção contra o cibercrime pelo Conselho da Europa e uma decisão-quadro do Conselho da União Europeia relativa a ataques contra sistemas informáticos e Portugal está obrigado a converter o seu conteúdo inovador em direito nacional. O Governo resolveu finalmente rever a lei nacional, encontrando-se pendente na Assembleia da República uma proposta de lei para esse efeito.

A proposta de lei tem vários aspectos positivos. No plano do direito penal, a nova redacção do crime de dano informático inclui a acção de apagar, destruir ou alterar programas ou dados informáticos, mesmo quando o agente não tem intenção de obter um benefício ilegítimo. Por outro lado, criminaliza-se autonomamente a produção, venda ou disseminação de aparelhos destinados à prática do crime informático. No plano do direito processual, consagra-se a possibilidade da preservação expedita de dados informáticos relevantes para a descoberta do crime, quando esses dados estejam em perigo de se perder.

Contudo, a proposta de lei também peca por algumas omissões importantes, sobretudo na investigação criminal. A proposta de lei não trata o novo meio de obtenção de prova da busca online, isto é, a infiltração online pela polícia num sistema informático, por exemplo através dos chamados cavalos de Tróia, de modo a que a polícia possa em tempo real conhecer a informação à medida que ela é introduzida no sistema informático. Este tipo de infiltração visa, em regra, computadores pessoais, PDA e telemóveis, onde se proceda à criação, tratamento e armazenamento de dados e informações multifacetados da pessoa suspeita, neles se incluindo textos, sons e imagens da pessoa. Dado o seu carácter altamente intrusivo na privacidade, este meio de obtenção de prova foi objecto no ano passado de uma decisão do Tribunal Constitucional alemão, que determinou que a admissibilidade da busca online depende de reserva de lei e de juiz. Isto é, ela só é admissível se estiver prevista na lei e for ordenada por um juiz. A ordenação deste meio de prova dependeria sempre, segundo o tribunal alemão, de o crime investigado ser muito grave.

Por outro lado, a proposta de lei não autoriza a criação e utilização de domínios e sítios na Internet, nem de endereços de correio electrónico, com vista a desmantelar redes criminosas que actuam na Internet, como prevê, por exemplo, o direito italiano. Este meio de prova é muito importante para a infiltração da polícia no seio de redes que se dedicam a burlas ou actividades pedopornográficas através da Internet. Sem a previsão legal expressa destes meios de investigação a polícia ficará manietada para desmontar este tipo de actividade criminosa cujos efeitos nefastos são cada vez mais elevados na sociedade portuguesa.

Estas dificuldades serão agravadas pelo novo regime de apreensão de dados informáticos utilizados pelos bancos. A proposta de lei contraria os regimes de vários diplomas penais aprovados no sentido de facilitar a quebra do segredo bancário no âmbito da criminalidade económico-financeira, do tráfico de estupefacientes e do branqueamento de capitais. Ao mandar aplicar o regime de apreensão do Código de Processo Penal, isto é, o regime do velhinho artigo 181, a proposta de lei dificulta de sobremaneira a investigação criminal que implique a apreensão de dados informáticos em bancos.

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