Autarquias
O País precisa de uma nova lei de finanças locais. Mas será esta a lei?
As divergências de interpretação quanto ao que a proposta diz sobre matérias fundamentais como o endividamento, que se reflectem na batalha de números a que temos assistido, justificariam só por si uma redacção mais clara. E a necessidade de mecanismos de transição recomenda que se perceba exactamente o que se vai passar para não termos de mudar tudo outra vez em 2009.
As autarquias argumentam que não são despesistas pelo baixo peso das suas despesas e a elevada importância do seu investimento. Não é um argumento. Alguns projectos disparatados que começámos a ver pelo País fora indicam que existe dinheiro a mais para umas coisas e a menos para outras. Além disso, existe na actual legislação um forte incentivo à urbanização, que se reflecte já na falta de qualidade de vida nas áreas metropolitanas.
Nas transferências, o Governo optou por redistribuir os recursos. Usa as receitas fiscais médias por pessoa como referência e quem fica 125% acima terá um corte nas suas transferências. É um critério justo, mas que tem de levar em consideração a capacidade de os municípios manipularem a sua "riqueza".
Já quanto ao endividamento o caos é total. O ministro da tutela, António Costa, recusa-se a clarificar a lei nesta matéria dizendo apenas que a interpretação válida é a do Governo. Levada à letra, a actual formulação para reduzir o endividamento das autarquias é muitíssimo mais restritiva que o Pacto de Estabilidade e Crescimento aplicado por Bruxelas aos países da Zona Euro. Já temos demasiados problemas com "interpretações" das regras que já existem. É um erro aprovarmos uma lei que tem essa deficiência à partida, abrindo espaço à discricionariedade.
A falta de transparência é já hoje um problema nos investimentos realiza-dos pelas autarquias ao abrigo dos contratos-programas celebrados com a administração central. Trabalhos publicados na imprensa têm revelado uma forte coincidência entre a cor partidária dos municípios mais beneficiados e a do Governo da altura.
A nova lei das finanças locais tem de ter também como objectivo reduzir a margem de manipulação partidária dos recursos transferidos para as autarquias. Isso tem de ser claro para todos, o que inclui também os famosos contratos-programas.
Podemos estar a perder uma oportunidade para corrigir o que está mal nas autarquias.